sexta-feira, 27 de junho de 2008

Uma guerra interior, essa guerra que berra nesse exterior de incêndios que vejo nos teus olhos, nessas chamas que vulcanizam tudo à volta. Estas estradas andam sem par, elas tropeçam em mim, elas dizem-me, elas pedem-me e deixo de ouvir-me para te dar. Onde está a fortuna que é dita e redita pela terra um dia prometida? Eu semeio mas vejo-te a cair e se há uma ferida que se queima a água escasseia. A música distraí, a tua fome não…

Sofia
Pareço olhar à distância, nessas curvas mais à frente, neste olhar parado, mas os pés vão de frente, e crescem em torno de uma música desconcentrada que se desfaz em longos ritmos de mentes destapadas. Esse fulgor de ver as coisas para além do espelho que me deram, nem sei onde alcança a mão, onde ela se descalça nesses movimentos rápidos de seguida em seguida, e de repente as cordas não racham, nem a dança consegue acabar.

Bárbara

(Lyonel Feininger, "La dama de malva")
Ela perguntou porque é que as portas se fecham e os mundos não se deixam entrar porque houve um dia em que eram tão abertos que o sol brilhava neles. O sol era tão quente que se podia subir e dar cambalhotas pelos dias adentro e tudo reluzia sempre e sempre. Ela disse que os olhos eram lágrimas sem parar, ela disse que só conseguia chorar. Tinha perdido as notas que cantava ao sol e ele deixara de vir. Ela dizia, dizia e os mundos não eram senão muralhas. Ela escrevia os seus nomes e eles mordiam.

Oriana
15 metros de neve pura gélida e tu não vês nada à tua frente. Eu afundo-me exactamente à tua frente, enquanto falo com ela e assassino-a vezes sem conta. Quem és tu, quem és, vens lentamente com um punhal sabendo da minha visão cega, dizes o teu nome para apenas me arruinares a audição com os teus berros e não me deixas falar a linguagem falada das palavras. 15 metros e estes olhos de mundo nada vêem de tão gelados. Quem és tu, quem és, os rostos não te faltam, sabes tudo menos os meus nomes e eu caminho até à minha própria escuridão para a descrever com os sentidos possíveis, todos e mais alguns. Quem, quem vem de máscara nestes 15 metros de neve pura gélida dizer-me que falharam todos os caminhos, todas as linhas, todas as palavras, enquanto eu escrevo a carta, as cartas que te falam, que não te desabam nunca. Conheces o som do punhal? Afunda-se na pele a 15 metros de neve pura gélida.

Beatriz
We have all been hurt. Nas feridas profundas, mais profundas do que a profundidade. E os poços de que não me falaste e as guerras que não previ e tudo o que vi enfiando-se na pele, deixando de acordar tudo o que quis acordar um dia mais à frente. E deixei de te ver e passei os dias a chamar por ti. Tu que estavas mais longe do que a distância. When love breaks down. A guerra começa, e é na minha direcção. Porque nunca acordaste para mim, nunca me viste, nunca me sentiste, nunca estive à tua frente, nunca me viste. A minha casa de solidão enterrada no deserto de recordações que são nomes sem visão, dolorosos nessa imobilidade que permanentemente empurra um pouco mais para um abismo que nada contém a não ser a dor em si mesma. You are living for nothing now, continua a soar para sempre.

Beatriz
E o vento era mais forte e vinha cedo cedo como uma torrente cheia de nós em cristas de truques de cristal que só parte de madrugada, aquela em que partimos em cima de um novelo de lã sem fio condutor e conduzi-te sem te deixar cair, sem te deixar a mão. Sabes para onde se parte quando se quer partir para longe? Para dentro e depois fecha-se os olhos com força e se deixas a minha mão e dou-te o meu coração. Sabes que estás no meio de uma ventania e nem sabes? Porque esses fios que dançam contigo são apenas cocigas de um metal que de tão precioso se agarra à sola da tua entrada e te leva mais longe e se te ris os teus lábios são uma espécie de levante e a sabedoria é saberes-te e depois entrares nessa festa que dizem estar preparada e eu dizer-te uma palavra ao ouvido que nada percebes e serás uma adormecida até acordares...

Jaime

(Roberto Matta, "Jazz Band")
Sinto com as mãos a parede em cima e ela não escorrega, ergue-me um pouco mais. Se voo tudo voa comigo e há um mergulho muito rápido enquanto um de nós se persegue no meio da areia e de todas as palavras ao contrário. Vivo lá em cima com os diálogos que faço com tudo menos o silêncio. Amanhã não quero dormir o hoje e já é hora da sesta e não sei porquê mas a minha correria ao longo daquele campo faz-me adormecer mas sei que posso andar em cima do muro e depois atirar ao ar o meu grito maior e fazer girar o mundo e girar-me com ele. E disse um dia que os dias ao pé de mim seriam sempre essa embarcação que sobressalta o mar enquanto furo as ondas e abro os braços maiores que esse litoral que deixei de ver... aqui dentro o mar é sempre maior!

Celeste
Fim de Maio

A partir de agora é sempre actual, o mês de Maio finalmente acabou!
Actual

As folhas que voam sem sentido ligo-as neste burburinho de paisagens abraçadas às nossas canções regressando sempre de todos os ventos em mil serenatas que entregam os caminhos em percurso. Rumo, rumo e a distância parece ser uma linha nas mãos que vem pela manhã húmida. Essa manhã que deixa um som e ainda outro, sons que reconheço das coisas que gostaria de saber num olhar meu, na palavra que surpreendo num acaso encontrado. Direi que tudo o que escrevo são cavalos, cavalos mil correndo sempre à minha velocidade.

Bruno
Actual

João Vala é agora JOÃO VALE, porque dentro de mim os vales e etcs são maiores!

João Vale, vale o que vale (isto é, maior!)
A Poesia é um Gesto Eterno

Doesn't Matter How Far We've Come
We've Always Got Further To Go

Our Dream Won't Die

Todos

(Asher Durand, "Early Morning at Cold Spring")
Conversa no autocarro: "A sanguessuga alimenta-se do sangue das suas vítimas. Pode ingerir uma quantidade de sangue 10 vezes superior ao seu próprio volume."

(Eu pensei: pois...)

A água da tinta escreve mais do que um mundo, investe sobre as línguas buscando sentidos. Há um avião que empurra as promessas para a inspiração e torna-as no derrubar de casas de sangue ora vertendo, ora extinto. Quantos instantes pulsam saltos mortais que não foram mais do que a transformação de bailarinas em pedra? O meu brilho isolou-me e sou apenas uma peça original. No entanto, afirmo-me com incisiva vida, no peso torrente da luz, com a invisibilidade da escuridão, na batalha do poeta que inventa a sua voz na água da tinta.
A Poesia é um Gesto Eterno

A LIBERDADE está no cimo das janelas voando a cor dos ventos, nas manchas das palavras que dizem o que querem nos seus gestos, no alvoroço do sonho e da poesia, na criação que faz a ondulação das ondas agitando a inspiração dos barcos, na madrugada cristalina de céu harmónico, nas linhas de luz que se espalham pelo silêncio, no espaço preenchido pelos tons verdes das árvores decompostas, no grito que declarei em mim calando tudo o resto, no peito incandescente das emoções despertas, na esperança que se agarra a uma fila veloz de comboios, na sede da boca que se aquece com o nome do amor, contra a força de tudo o que fere pois ela sabe cercar-se de sementes que germinam porque irrompe num pássaro e a sua palavra é definitiva, o seu espírito é matéria de lúmen.

Sofia Sara Oriana Jaime Celeste Bruno Beatriz Bianca Bárbara António Lisa João Vale

(Edward Hopper, "Sunday")
Tenho saudades do meu pai.

Um abraço dele parece o mundo inteiro...

Sara


Estas lágrimas que vagueiam no meu rosto, não as leva barco algum. Elas continuam presas porque apesar de querer continuar a acreditar o arrepio das sombras desvenda o mal de existir. Um existir que tenta destruir o ar íntimo que percorre o peito, agredindo a geografia da sensibilidade que a matéria criou em mim.


Conversa no autocarro: "E se eu te dissesse que sou quem eu digo que realmente sou?"

(Eu pensei: ou comes ou vomitas?)