terça-feira, 17 de junho de 2008


(Joseph Cornell, "Untitled (Medici Princess)"
Conversa no autocarro: "E tens de fazer a cama com cuidado, e tens de fazer 1 hora de trabalhos de casa todos os dias, e tens de preparar a mochila para o dia seguinte, e tens de ser bom menino, e tens arrumar os brinquedos logo que acabas de brincar, e tens de ser obediente, e tens de brincar com o teu irmão mais novo, e tens de pentear mais vezes ao dia esse cabelo, e tens de ser bem comportado, e tens de..."

(Eu pensei: e que tal um 'vai-te foder?')
dormindo embalada
pelo abraço do acordar
porque o calor
se espalha no que o amor
diz agora das janelas
encontrar-se-iam
nos sinais dos dias
quero desvendar
o que puder
nesse regresso voador
que canta nas veias
entrando nas salas
no alto dos mastros

P.s.: aí é que eu estava bem agora: no alto dos mastros...

O esboço desfeito, quando nem sequer queria construir um silêncio, apenas uma casa de nuvens. Mas houve um deus ofegante que inchou a sua corola e deteve o meu sonho. Tornei-me num caminho de areia, os meus desejos aprisionaram-me num erro seguido de outro. Depois disseste-me algo que a dor comeu em mim. Foi a perfeita restrição do ser nos seus movimentos, na figura de pedra sentindo mais do que era possível, com os seus dedos à míngua. Sabes como é não ter movimentos e ver os pássaros nos lábios de alguém sempre fugindo? Será que estás nos meus olhos? Porque és uma claridade oculta que chega frágil até mim. Na costa há feridas que não sabem adormecer e lendas que penso serem loucas. Fiz o caos ou o caos fez-me a mim, porque derrubei os muros, as cidades todas partiram e ri-me dos barcos que levaram os sentidos pois os sentidos são irreais. Estive de joelhos demasiado tempo, mas as palavras sempre tiveram a razão de cantar o seu espanto e o seu espanto nunca morreu. Rastejei pelo mundo que criaste, a tua voz juvenil cercou-me de medo e sugou-me no escuro da casa. Ninguém respondeu à criança da noite, ignorante, cega, desprotegida, no seu templo de solidão. Sacudo o sono dos sonos e mostro um novo segredo. Será que me entendes, esta liberdade que renuncia às bússolas orquestradas e apenas se guia pelos seus gestos essenciais? É preciso encostar os olhos à sede e deixar falar tudo o que me pertence e tudo o que me abraça. Ser passageira de um tempo que apenas passeia pelas frinchas, brechas, pelo veloz e qualquer sementeira que se esconda como um tesouro num espaço aberto na planície, um som vivo que transporta a minha voz.

(Keith Haring, "Untitled")
É tal o desalento quando a estrela cai porque ela afinal não vem do fundo da terra, era apenas um ideal. Deita-se aos meus pés e chora. És o crime de todos os meus dias e o brilho da estrela que cai permanece sempre uma sombra. Estou deitada num quarto a arder de febre, tu sorris uma qualquer estação quente. A memória tem movimento, ela sai comigo para a rua diariamente. Talvez pudéssemos beber uns copos de aguardente, eu e a estrela caída em desgraça, e esquecer-me por três dias da memória que apenas ferra o ser.

And still they don't believe me?
How can they hear me say those words
Still they don't believe me?
And if they don't believe me now
Will they ever believe me?

(The Smiths)

Apago os cigarros nos maços de tabaco e dispo-me com a janela aberta e a luz acesa. Nunca acreditarias que sou o sol da manhã. De cabeça erguida, visto-me apenas assim, com uma peça de roupa. Meto a cabeça fora da minha rua. Nesse instante rio-me, se me vês riste-te também ou não sabes nada sobre o mundo. Queres fazer parte de mim, tu que falas comigo? Eu dou-te tudo o que transbordo. Declaro vozes, engenhos raros, as folhas mansas que crescem por entre sentimentos descobertos. Os olhos alheios são comédias numa corda de viola. Eu toco os seus sons. Hei-de calar as notícias que vêm dessa rádio antiga. A amargura que cresce delirante e sobe em dias predestinados. Há uma enchente deslocalizada neste nosso contacto de erosão das rochas interiores sedimentadas há muito. O tempo da colheita exalta-se…

(Jean-Antoine Watteau, "Meeting in the Open Air")
Ora lá vem mais um pouco do Ideal de Amor, na sua forma ultra-romântica...

E de repente tu disseste algo e eu ri-me e tu não percebeste. Nada havia para perceber, para além de tudo o que já havíamos dito. Mas claro, é preciso dizê-lo, uma vez, e outra: as estrelas estão sempre a ser acesas quando tu chegas, com esses olhos de sol. Como é possível seres tão incandescente? Chegas com esse rumor de água viva respirando milhões de barcos nos meus portos, transbordas, transbordas e eu apenas floresço e rio-me. Avanço ao teu sabor. A tua boca aromática, essa harmonia que anseio alcançar. Conta-me o teu segredo. Dou-te o meu continente azul porque tu estás sempre a apontar o Sul. Falamos de medo mas voamos mais alto do que o céu. Dizes que sou o arco-íris, mas és tu que compões as minhas cores e eu estendo-me nas tuas varandas. Digo que vou cair e tu seguras-me… Como podes ser tranquilo, se eu sou um meteorito? Talvez seja uma serpente enrolada no teu pescoço, mas és tu que me alimentas. Dou-te o ritmo, só te vejo a dançar. Adormeço nos teus braços e vejo-te acordar. Julgava que era felina mas estava enganada porque tu é que tens imenso pêlo e me aqueces. O teu corpo embriaga-me e o meu lateja: só sei chamar pelo teu nome, o teu nome é o fundo do meu oceano. Contigo vivo ondulada e tu vives em casa. Achas que vives em casa? Porque apesar de uma certa turbulência eu sou uma concha que sustenta o teu mundo e te entrego a ti mesmo agarrando sempre a tua mão.

P.s.: tinha que rebentar a escala. Sou boa nisso, a rebentar escalas! Eh, eh, eh!!!
"Oh yeah, I'm good!"

Uma das moedas mais desvalorizadas do mundo...


10 mil francos da República da Guiné valem 1,50 euros
Keep it in mind!
Dizem que se esquece como se esquece um nome. Agora o tempo agita os olhos de viajante que começam a conhecer os mapas da liberdade. Águas maduras que atravessam rios com o vigor das chamas. O canto dos pássaros nos braços das árvores acenando-me. Ainda chamas por mim… Uma nuvem é um desenho lançado a um tempo qualquer e eu desenho o meu com palavras roubadas de navios, roubados do mar, roubado de uma fogueira. Ainda queima essa maré desabitada? O canto das cigarras, oiço-o toda a noite, um apelo aos degraus do meu desejo. Desejo apenas despir-me em mil acácias…

Todas as folhas são violetas e o céu está forrado de rios e serras. É o dia dos poetas, que morreram um dia. Agora os seus braços de mel libertam as palavras presas para dizer que a miséria está viva e a podridão acontece a cada instante. Arrastam os seus soluços de joelhos correndo à frente do tempo nas histórias das outras vidas, cantando as suas dores adormecidas, os silêncios esbatidos, a incomplitude confusa de quem não sabe. O impossível mundo... é esse mundo que toca em todas as campainhas, é esse mundo que deve percorrer as veias dia e noite porque de matéria química somos feitos, essa sempre fecunda. Todas as folhas são violetas e o céu está forrado de rios e serras. E se ouves uma voz nessa cruz onde ficaste preso, é essa voz a que deves retornar.

(Odilon Redon, "Orfeo")
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Há quem tenha estado no Santo António, há quem esteja no Espiríto Santo...

Papi telefonou... se ele estivesse cá punha-me na ordem a sério, pelo menos sempre tentou (eh, eh, eh). Umas sopas do Espírito Santo agora é que caiam bem. Dona Ana, ainda não sei rezar o Pai Nosso nem a Avé Maria, mas posso comer as sopas, não posso?
sabes que há noites
que nunca acabam
há noites que precisam de ti
da tua água à minha boca
porque não existe mais nada
senão a tua água
há noites que a tua mão
é a única palavra
e devo acreditar nela
porque estás coberto
dessa respiração
que sempre amei

P.s.: e repara bem que a noite é a altura do dia que menos gosto...


Estava escuro como escuro fora noutros dias. Celeste, a menina saltitante estava numa cama doente e não podia sair para os cantos do tempo. O dia não passava e as dores eram dores iguais a outras dores de que Celeste se lembrava, e assim se passavam os dias. Celeste, a menina saltitante não compreendia, sabia o nome dos remédios e os seus sabores de que não se gosta. Celeste dormia e não dormia, as sombras passavam diante dos seus olhos enquanto as dores ela já não sabia se eram as dores dos pés à cabeça, aquelas que prendem os braços e as pernas ou aquelas mais assustadoras que esmagam o olhar.
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(Henri Matisse, "Decorative Figure on an Ornamental Ground")
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Caramba, quando estou realmente bem disposta só me falta falar com as plantas! (e falo... podera, tenho um jardim gigantesco à minha volta e está um dia formidável... arranjo mil e uma desculpas para ir lá fora... já disse ao meu coleguinha: um dia trago uma manta e deito-me a apanhar sol na relva...)

E também faz sempre bem ao meu ego ouvir:

És uma ave rara, sempre o soube

És extraordinária

És a que tem a melhor escrita de todos

Ai Zé Manel aguenta-te aí gajo... aquilo que dizes que eu sou tu também és... e muito mais!!!

Laranjinha
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Aqui e agora tudo balança. Não vês que o mundo cresceu demasiado, foi demasiado tempo. O teu olhar afasta-se, o meu também. Quis matar-te, agora quero que te afundes para poder caminhar mais depressa... quero poder... Tudo balança, a raiva, e o outro sentimento que nasce no meu olhar. Não digas o seu nome porque vou negá-lo... Não digas o teu nome, ele continua aqui guardado...
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Inia está de volta e o telefone toca...

Quando vou com ela ao Bairro Alto fico a conhecer pelo menos 1/10 da população alto bairriana. A maioria personagens de alto gabarito, fora aquelas que conhecemos sabe-se lá como... As nossas gargalhadas ouvem-se pelas ruas em que não estamos (ela diria: as tuas, as tuas!) A vida dá que falar, eu agarro-te as mãos e mostro-te qualquer coisa como uma espécie de caminho... Tu sempre soubeste meter os pés nos passos...

Quando comemos a pizza e eu fiquei mal-disposta eram quatro da manhã, tu dizias que havia um homem chamado Kant que nos chamava e eu estava deitada na tua cama, cheia de cândidas e meia pizza comendo-me o estômago... Tu dizias, tu dizias que eu não fazia nada: ora bolas, eu fazia filosofia!

Tu quiseste dar-me um chá com um dos homens mais importantes da minha vida e salvaste-me. Depois quiseste dar-me um café com um dos homens mais ... da minha vida e lixaste-me. Quem é que me mandou meter-me com um escorpião? Ui, nunca se deve envolver com homens escorpiões, gente mais passada dos carretos não há... De outro ponto de vista, gente mais genial também não há... Claro que eu não sou escorpião nem nada. Mas eu não sou nada disso, sou uma miúda normalíssima, que vive uma vida bastante tranquila...

Inia, eu fui pelo outro lado porque há diversas chaves, há múltiplas portas... Eu falei-te disso, não? ; )