terça-feira, 22 de julho de 2008



(Danielle Rae, "Kiss")
Dinis, algo me diz que nada me é alheio junto a ti, tudo é plenitude, tu dizes e dizes e eu digo atrás de ti que tudo é maduro e há cachos de uvas, vírus coloridos por toda a parte e nós rimo-nos como se o riso fosse parte de um qualquer parto. E se partes eu vou contigo, porque os nossos dedos estão demasiado perto desta vegetação abstracta onde nos escondemos para sermos um pouco, sermos muito. Porque há sempre canções a começar Dinis, de súbito, como uma borboleta apanha o teu caminho, como de súbito apareceu uma curva e tu soubeste quem ela era, deste-lhe o meu nome, esses meus nomes com as canetas das inquietações das cores. Eu dou-te a minha estrela rendilhada, que se passeia na varanda aberta do céu, a mais alta que vires no teu céu que alcançares…
O Sal da Língua

Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar.
Para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.

(Eugénio de Andrade)
"Ceio que foi o sorriso, o sorriso foi quem abiu a porta."

(Eugénio de Andrade)

Disparate, foi o Dinis, disse que tinha umas coisas para mim, já tinha até a porta aberta e deu-me um beijo que não esqueci até agora...
Perto do fogão sentada no chão embriaguei-me e chorei porque as minhas raparigas, essas carências atrás de carências e solidões atrás de solidões, os entardeceres queriam matar, matá-los a todas, como quem mata as caudas dos peixes e impedi-los de se mexerem. E então, ficar ali naquele chão porco imobilizada na tristeza que só vem porque o inverno é sempre perfeito, e a perfeição é a dor mais dolorosa e marca excessivamente apagando todas boas frases que disseste, às quais te respondi, enquanto agora respondo sozinha, mais vinho, gin, cerveja, já nem sinto as pernas, não quero este palco obsceno, mas é tarde demais e cheira a morte.


(Matthew Woodson, "Sandrina")
The National: Slow Show

Standing at the punch table swallowing punch
can’t pay attention to the sound of anyone
a little more stupid, a little more scared
every minute more unprepared

I made a mistake in my life today
everything I love gets lost in drawers
I want to start over, I want to be winning
way out of sync from the beginning

I wanna hurry home to you
put on a slow, dumb show for you
and crack you up
so you can put a blue ribbon on my brain
god I’m very, very frightening
I’ll overdo it

Looking for somewhere to stand and stay
I leaned on the wall and the wall leaned away
Can I get a minute of not being nervous
and not thinking of my dick
My leg is sparkles, my leg is pins
I better get my shit together, better gather my shit in
You could drive a car through my head in five minutes
from one side of it to the other

I wanna hurry home to you
put on a slow, dumb show for you
and crack you up
so you can put a blue ribbon on my brain
god I’m very, very frightening
I’ll overdo it

You know I dreamed about you
for twenty-nine years before I saw you
You know I dreamed about you
I missed you for
for twenty-nine years

You know I dreamed about you
for twenty-nine years before I saw you
You know I dreamed about you
I missed you for
for twenty-nine years
Um bilhete para a imitação falando de um corpo, sem vinda, uma viagem longa, despindo-se de alimentação que falta nesta simulação vindo-me falar, corpo definhando, devorado por si outro, olhos metálico, estranhos olhos onde não nasce senão o interior de um recipiente de golpe a golpe, desfigurando-se em movimentos de fome, sabendo correr rio, nesses olhos que nada olham de real, apenas máquinas de fazer modelos, lembrando-se das guerras e ensaiando os toques da defesa, os escravos da memória, as curvas que se curvam…


(Blade Runner)
Um bilhete para a imitação falando de um corpo, sem vinda, uma viagem longa, despindo-se de alimentação que falta nesta simulação vindo-me falar, corpo definhando, devorado por si outro, olhos metálico, estranhos olhos onde não nasce senão o interior de um recipiente de golpe a golpe, desfigurando-se em movimentos de fome, sabendo correr rio, nesses olhos que nada olham de real, apenas máquinas de fazer modelos, lembrando-se das guerras e ensaiando os toques da defesa, os escravos da memória, as curvas que se curvam…
Sara estava e explicar o cerne das cousas a Ricardo, estava um pouco acelerada, como é de esperar, tinha razões para isso... Mas o seu discurso era lógico e desperto, desperto como a lua daquela noite. Ricardo não parecia compreender, não queria compreender, estava constantemente a julgar o sofrimento de Sara e a querer que fosse uma qualquer daqui a quatro meses. Bianca entrou em acção, perdeu a cabeça, sem ter atenção, ou talvez sim, ao livro, que era o livro certo e atirou-o contra a parede perto da cabeça de Ricardo. Ele parou de falar e deve ter dito, quando se acalmou, que ela era louca. Sara pediu-lhe desculpa, tinha-se excedido. Pediu-lhe desculpa, mas estava a mentir-lhe descaradamente. Até pensou: “deviam ter sido mais uns dez ou vinte livros…”
Escrevo que te escrevo porque a minha escrita são apenas estas letras e palavras que se sucedem no tempo que clareia, mas em mim rareia, e nada é calor: só as letras o podem escrever.
Salvei quatro gatos/as com "tinha" (até eu apanhei) há uns anos, salvei-me inúmeras vezes mesmo antes de me ter posto em perigo, as gatas estão gordas mas parecem felizes, eu estou gorda mas bastante niilista, elas se calhar também estão. Vita noiosa e miserabile!
Irmã, quis João brincar ao carrossel contigo
Para te fazer voar…
Mas não sabes que só o divino voa
Com a pureza do seu espírito
Nós aqui somos todos pecadores

Houve um Deus que te levantou no ar
Tão perfeito eras fez-te santo
Mas tu querias andar descalço
Nas tardes de verão

A imperfeição disse-lhe inveja
Quando Sandra
Olhou para o seu tédio
E continuou a ver os ponteiros
Na sua lógica arrancarem um a um

Ah falaste-me no amor
Eu quis ser esse sonho que escapa
E dita o comportamento humano
Ser a portadora de um coração
Mas ele apenas toma o pequeno-almoço


(Raphael, "St. Catherine")