domingo, 27 de julho de 2008



(Abbati, "Arno alla Casaccia")
A dor não se solta, fica encravada
Nas bocas dos lobos que nos comem as estradas
Correm à nossa frente dizendo
Que acabaram os dias das caminhadas
A dor escurece qualquer pólen
E mata a sua vida
Desfaz a pétala que o acompanha
Arruína-lhe os sonhos
Cortando com pedaços de vidro
A pele que se vai enferrujando
Em quintais abandonados
No alto mais elevado das torres
Que são casas de sangue velho demais
Para reaprender os cantos uma vez mais
Mensagem importante:

Eu não sou desléxica, um/a deles/as é que é, foda-se!

CARPINTEIRA
Petrarca: "Solo"

Fanciullo, io già non ero
come gli altri erano, nè vedevo
come gli altri vedevano. Mai
derivai da una comune fonte
le mie passioni - nè mai,
da quella stessa, i miei aspri affanni.
Nè il tripudio al mio cuore
io ridestavo in accordo con altri.
Tutto quello che amai, io l'amai da solo.
Allora - in quell'età - nell'alba
d'una procellosa vita - fu derivato
da ogni più oscuro abisso di bene e male
il mistero che ancora m'avvince -
dai torrenti e dalle sorgenti -
dalla rossa roccia dei monti -
dal sole che d'intorno mi ruotava
nelle sue dorate tinte autunnali -
dal celeste baleno
che daccano mi guizzava -
dal tuono e dalla tempesta -
e dalla nuvola che forma assumeva
(mentre era azzurro tutto l' altro cielo)
d'un demone alla mia vista -
Obrigada Bianca, eu roubei uma garrafa de água das pedras, não andei a beber vinho...

Sofia


(Colette, "Calascione")
Não é uma história nada de especial esta história real entre Sofia e Paulo: não podem estar juntos porque ele prefere as drogas que se drogam em demasia, dos polícias que relatam jogos futebolísticos que nunca ganham, das vozes dos machados que cortam as raízes, os nomes dos povos que não têm pensamento, falar sem parar e ruminar novamente o falar, não ouvir Sofia, não sentir Sofia, não querer sair da sua prisão dourada pelas suas mãos de pintor.
em ti se reflecte um céu
com um letreiro
que não compreendo o que diz
mas esse olhar fraco
diz mais que o letreiro
queda-se e não é um jacto
mas um gato que foge
com medo de um insecto
como de um ciclone se tratasse
o amor é uma mentira
já o disse e redisse
é uma carência que tem braço
de necessidade de abraços
mas tão passageiro
que não demora
mais uma viagem de autocarro
os sonhos são sempre escuros
começam por ser claros
e depois sobem os degraus do negro
o anseio louco de início
acaba num vulcão que não
se transformou numa ilha
ou num continente e estacou frio
a esperança morre nos braços
de quem a carregou
este tempo todo
És o cântico de todas as aves Bianca, acordando-me nessas manhãs do meu abalo que se aveludam pelas tuas paisagens quando o teu pardal-real vem até à minha mão, ou então vens com a tua garça-de-luz compor-me um dos teus cantares. Bianca, cegonha-peregrina que faz o ninho onde por vezes não te podem alcançar, eu voo como uma águia-do-mato para até ti chegar. O ar que respiras é a sede do grito das gaivotas, andorinhas, rolas-do-mar, que rebenta as tuas cidades, onde és náufraga perdida quando as asas te quedam. Mas Bianca elevaste sempre onde o sol não te cega o olhar e o vento varre as folhas que pisas nos caminhos. És a pomba castanha que sobressai, nesse teu olhar de cotovia-do-monte. Eu serei contigo a estrelinha-real que o vento irá levar, nessa viagem conjunta de asas de seiva que são o chamariz do sonho. Pisco-de-peito-azul é a minha saudação e eu sei que no teu coração és um melro-azul.

Bruno


(Fattori, "Rotonda di Palmieri")
Uma das prendas para a minha mãe que adora gatos:

Um gato foi à mesa
E tomou um copo de leite
Que não era seu mas teu
Disse-te que estava com natas
E virou as costas
Lambendo as unhas
Rindo-se sorrateiro
Das tuas óperas
Disse que o David Bowie
É que era um grande cantor felino
Outro gato sentou-se na tua cadeira
Lambeu o teu café às colheradas
Afirmou que a ciência era uma tolice
E disse que as botas dos gatos
É que eram as maravilhas do mundo
Davam viagens maravilhosas
A sítios como Itálias e arredores
Mijou na tua cadeira e foi-se embora
Um outro gato entrou em cena
A fazer o pino e outras travesseiras
Proferiu que era o Pinóquio
E que era muito dotado
Sabia de poesia
Era esse o seu destino
Comia com as mãos
Com a bocarra aberta
Era desastrado desde menino
Mas fino em simultâneo
E tinha à sua frente um grande destino
Esta imobilidade erigida em alicerces que se aguentam o tempo das mãos ficarem sem os ossos uma vez mais. Parece-me que tenho a cabeça disforme no lado direito, sintoma dessas dores diárias que modelam um qualquer tempo no lodo ancorado em todos os dias. Parece-me que voam rentes ao meu vulto moscardos malditos, enquanto os afazeres turvam todos os minutos numa nulidade sanguinária e a vontade perde a pouca persistência. Algo maior do que tudo o resto nesta dimensão de gestos que se vão completando torna este sonambulismo irreversível porque o sonho por vezes morre.
De Bruno para Bianca:



(Henri Matisse)
De Bruno para Bianca:

I see you standing
Standing on your own
It's such a lonely place for you
For you to be
If you need a shoulder
Or if you need a friend
I'll bee here standing
Until the bitter end
No one needs the sorrow
No one needs the pain
I hate to see you
Walking out there
Out in the rain
So don't chastise me
Or think I, I mean you harm
Of those that take you
Leave you strung out
Much too far
Baby-yeah

Don't ever leave me
Say you'll always be there
All I ever wanted
Was for you
To know that I care

(Guns N' Roses)
Há pessoas e pessoas. Há pessoas que têm um Valor Especial. Chamei-as há tempos de Seres Azuis, elevam-se acima das outras, por várias razões, mas acima de tudo pelo seu Humanismo, pelo facto de Olharem para o Outro, Olharem e Verem-no. Ando a pensar muito nestas questões, mas penso que isto é Fundamental, é o Cerne do Ser Humano, o Querer Ser Mais Em Si Sendo Mais no Outro, mas Respeitando-o na sua Originalidade, Singularidade, mas intervindo igualmente no Outro, no seu Processo de Transformação.

O Zé Manel é uma dessas pessoas e já me ensinou umas quantas coisas importantes. Ele está com um cancro nos pulmões e disse-me hoje “isto está mal”. Fiquei na merda. Não posso fazer nada a não ser ir falando com ele, ir lá a casa. Dar-lhe força. Um gajo destes estar mal não faz sentido. Tem uma filha novinha, 14 anos penso. Tem uma vida pela frente. Ele já não é novo mas podia muito bem viver mais uns anos e continuar a fazer as coisas fantásticas que fazia. Só de pensar que no 11º ano ele dizia que eu escrevia muito bem e eu não acreditava. Deixo aqui duas orações da minha avó para ele:

Virgem Mãe Senhora Nossa protegei-o e guardei-o como coisa própria vossa

Ó Clemente, Ó Piedosa, Ó Doce Virgem Maria afastai esse cancro maldoso do corpo e da vida do Zé Manel com os tratamentos pois ele merece esta segunda oportunidade, como sabes, pelo que ele fez toda a vida


(Carpaccio, "St. George & Dragon")


Porque quem dirige
Disse a menina
Sou eu, mesmo que me canse
E falte a esperança
Se não há barcos as mãos vão de remos
Há sempre cores inesperadas
Nunca dadas
Mas possuídas como esta arma
Que levanto e onde cabem
Todos os dinamismos
Dentro dos espaços que são meus
Dentro desta minha liberdade
Que faço acendendo os meus gestos
Que venha o dragão
Escrevo a vastidão
Transformo-o no que quiser
Num mundo só meu
No campo onde corro descalça
No som da flauta que não sei tocar
Que venha e viajarei em cima dele
Pois as espadas estão nos museus
Ou são de plástico e estão nos carnavais
Sou uma menina que apenas diz
Que os dragões são da cor das laranjeiras
Porque esse é o seu alimento
O seu fogo é acender fogueiras
Quando se põe vento fresco
Da cor dos rouxinóis
Porque também eles cantam
Ela era incomodativa, era chata, possessiva, cercava-o, agarrava-o quando estava distraído. Ela gostava de dançar o tango aos sábados à noite no teatro Luís de Bento, ao pé de casa. Era uma óptima dançarina, todos a adoravam, era simpática e prestável, bebia um gin ou dois e dançava, dançava. Levava um vestido apertado e curto, sensual, de cores fortes, cabelo solto e arranjado nesse dia no cabeleireiro. Penso que seria a melhor bailarina do sítio, todos pediam para dançar com ela. Tinha conversas animadas, contava histórias incríveis de todos os países que já tinha visitado e o seu quotidiano estava também recheado de histórias engraçadas, fora do comum. Mas ele não sabia nada disto porque ele falava por si, para si, em si. E nesse mundo assim ela era incomodativa e tudo o resto, ela que lhe pedia que ele lhe contasse as suas histórias e queria ouvir a sua voz acendendo-se. Mas quando ela falava, quando ela dançava para ele era menos do que mais.