sábado, 18 de setembro de 2010

Não se pode lutar contra aquilo que se é.

(Victor Brauner)
Deste deves gostar:

Cobertos de folhagem, na verdura,
O teu braço ao redor do meu pescoço,
O teu fato sem ter um só destroço,
O meu braço apertando-te a cintura

(...)

(Cesário Verde, "Eu e Ela")
O papel da parede desfazia-se, tudo estava imundo e cheirava a um estranho bolor de restos de animais mortos há décadas. Ela estava a um canto, já não tinha lágrimas no rosto irrespirável e falava sem parar. Dizia que o amanhã tinha morrido, que lhe faltava a teia da paixão que a apanhava no meio de um abraço, dizia que neste momento do tempo tudo perdera sentido, o orvalho tinha-se extinguindo. Era impossível olhar para ela mais do que um minuto de seguida, era uma condenada nessa estupidez de tudo o que é impossível. Há quanto tempo estaria ali, a exorcizar aqueles demónios, a tentar falar com alguém ausente na sua tristeza absoluta? O seu corpo tinha a sede de um ninho, o frio das navegações nocturnas e o que ainda restava dela era a sua voz rouca, falando no seu próprio deserto.
Quando eles começarem a pintar o prédio de lado vai ser outro espectáculo, as duas janelas das minhas casas de banho não fecham. Ou se consegue arranjar os fechos ou tem de se mudar as janelas. Cá para mim, isto ainda vai sair caro. Mas andei a averiguar e eles não andam só a pintar as varandas, também estão a fazer a manutenção dos azulejos e a tratar das infiltrações que existem por todo o prédio. Portanto, ao contrário do que eu pensava são úteis. Não íamos querer azulejos a cair em cima da cabeça das pessoas e inundações nas casas de banho. Por falar em casas de banho, queres tomar um banhinho comigo? É tão sensual…Provocávamos de certeza uma grande inundação. No meio da inundação iria querer debruçar-me sobre a tua respiração e sorver as partidas e chegadas dos teus barcos deslizando sobre a clareza do vento. Um final poético, bonito, hã? Mas tu só chegaste a partir, e a chegada? Porra, custava-te muito teres-me deixado o teu número de telemóvel? Eu fui à casa uns tempos depois deixar um papel com uma pequena nota (a caneta era cor de rosa, ainda me lembro) dizendo que andava à tua procura e deixei o meu contacto, enfiei o papel na caixa de correio esperançosa. Mas se calhar eles não te conheciam, não faço a mínima ideia de como foste lá parar. Eu fui lá dar de uma forma tão singular, não? Realmente a língua italiana é a língua mais bela do mundo. E pensar que eu queria saltar em cima do italiano…Bem, pelo menos ele tinha um quarto (risos). Eu estava ali completamente perdida, não conhecia ninguém, não estava a falar com ninguém. O que é que eu estava ali a fazer? Estava à espera que dissesses a enorme parvoíce (para não dizer mais) que disseste para a noite ganhar sentido. Foi um arranjinho, acredita em mim.

(Gerald Laing, "The kiss")
O Beijo:

Inicialmente, pensei que serias tu o primeiro a beijar-me no nosso reencontro. Mas depois concluí que era a minha vez de actuar.

Houve um namorado meu que antes de me beijar perguntou: posso beijar-te?

Ora eu posso começar logo a abrir: vou beijar-te.

Posso nem sequer avisar-te: espero uma altura em que os teus lábios estejam com a abertura ideal e apanhando-te desprevenido…

Ou então há uma versão mais soft: estou com uma vontade de te beijar (urgente, como quem precisa de ir urgentemente à casa de banho - risos)

Será que prossigo com coragem para as versões mais arrojadas ou fico-me pela mais soft? Depois é assim: se estivermos de pé aposto que vou tremer por todos os lados. E aí vou ter de te dizer uma coisa apalermada do tipo: “pois, às vezes acontece-me, emociono-me com os beijos”. E sei lá o que vai acontecer se estivermos sentados, vai ser um vulcão à mesma. Eram 6:30 quando finalmente consegui adormecer, o que estive a fazer até então? Precisamente a imaginar esse beijo, fiquei tão exaltada que não conseguia dormir.
Ainda não me fui deitar. Estava aqui a pensar, por onde andarás? Será que percorres a noite nesta sexta feira de nuvens? Será que costumas sair à noite com frequência, aos fins-de-semana? Era um bom sítio para nos encontrarmos, na noite, se eu costumasse sair. Eu acho que tu gostas de passear na noite. Claro que se tiveres uma gaja podes já estar em casa com ela a fazer coisas queridas, podes até já estares a dormir agarradinho a ela. Fico feliz por ti se tiveres alguém, que alguém no meio disto tudo seja feliz, embora eu tenha uns ciúmes do caraças quando imagino tal situação. Acima de tudo quero que estejas feliz. Se bem que já sabes que ficavas muito melhor servido comigo. Vês esta dedicação que tenho por ti, agora pensa o que seria se nos conhecêssemos. Tenho medo é que seja só do meu lado. Tem de ser dos dois lados, senão não faz sentido nenhum. Mas também te digo, se for dos dois lados vai ser a coisa mais bonita que já me aconteceu. Seja lá que sentimento for, eu sinto uma ligação fortíssima a ti. E escrever neste blog, eu sinto mesmo que estou a falar contigo, quero muito que um dia o leias e que gostes. Estou cheia de sono mas apetece-me dizer-te mais coisas. Estou cheia, cheia de saudades tuas. Não sei quanto tempo do meu dia é que passo a pensar em ti, mas é muito. Um dia tomamos os dois banho na fonte do Rossio, num dia de muito calor, quando o Rossio estiver vazio, aquilo não dá para nadar, mas dá para uns bons mergulhos. Estava aqui a pensar no nosso reencontro, às vezes penso nisso com calma, outras vezes fico ansiosa. Será que te vais interessar por mim logo ou não? É a minha preocupação. Se não te interessares por mim logo vou ficar tão triste, vou ficar de rastos. Vou ter de te conquistar é? Talvez te possa dizer que vejo pastéis de nata nas nuvens. “Vê bem aquela nuvem é tão doce, não sentes?” E pimba levas com os meus lábios. Mas agora a sério, a ver se tens uma queda por mim logo à primeira, já bastou teres-me abandonado miseravelmente da outra vez. Acho que o meu coração não vai aguentar se tu não me agarrares logo. Logo, logo não, mas um pouco depois. Pode ser rapaz?
Bem, uma cama com edredão está à minha espera. Tu também estás à minha espera (vai metendo isso na cabeça), mas a tua cama deve ter um suave lençol sobre o teu corpo desnudado. É bom que emanes muito calor, senão levas com o edredão em cima. Mas pensa pelo lado positivo, levas sempre comigo em cima de qualquer maneira. Se houver algum problema que justifique o edredão fazes de conta que estás numa sauna, trazes umas garrafinhas de água contigo…estás a ver o esquema. Mas sinceramente a mim interessa-me é que haja muito sexo, seja com edredão ou sem edredão. Tenho a certeza de que estamos de acordo neste ponto. Continuo a imaginar-te como um dos pintores do meu prédio, cheio de sexualidade bravia, pincelada para aqui, pincelada para ali, pinga de suor caindo da testa, tronco nu amorenado e apetecível, dando vontade de adivinhar o que há para baixo. Ah, se te apanho, qual casa de banho qual quê…é num nono andar em cima de um andaime. Tens medo de alturas? Segura-te bem a mim. Beijo não caias.

(Francesco Clemente)
Nunca me queixei da minha vida a ti. Então aqui vai: toda a gente que conheço está bem encaminhada na vida, é independente, tem um emprego e alguns têm companheiros. Pois eu não tenho nada disso e as minhas perspectivas são bastante negras. Eu não me queixo muito porque já passei tão mal que esta situação não é assim tão má. Mas começa a ser um incómodo bastante grande. Começa a ser uma grande frustração e começo a sentir-me uma inútil. Depois tudo em que me envolvo não corre bem. Na verdade tento manter a calma mas estou bastante desesperada. É que nada disto faz sentido para mim. Tive não sei quantos anos enfiada num autêntico Inferno e parece que numa dimensão mais pequena ele continua a fazer-se sentir. Isto não anda definitivamente para a frente, não anda para lado nenhum. As coisas foram o que foram, temos de aceitá-las, embora eu me revolte muito com elas. Foderam-me a vida toda. Se não houvesse nenhuma Escuridão na minha vida estes cinco anos teriam sido completamente diferentes e eu hoje em dia também estaria encaminhada na vida, tenho a certeza. Não estou nada contente com a pessoa em que me tornei. Perdi a beleza e a ingenuidade. Estou cheia de feridas, nunca mais acabam, nem saram. A imagem é de uma pessoa cheia de ligaduras, com algumas partes que ainda têm sangue. Essa escuridão de que falo, ela vive dentro de mim, eu morro de medo dela, ela consome-me, sufoca-me porque viveu tanto tempo comigo que acabou por ficar. E se via o mundo com olhos luminosos deixei de o fazer. Depois o mundo mete-me medo porque vivi tempo demais afastada dele. Quem são essas pessoas que se cruzam comigo, o que querem, o que lhes dizer? Além disso, sinto-me distante do mundo, como se houvesse uma barreira entre mim e ele. Eu digo que vivo entre-mundos. Um pé neste mundo e outro no sítio de onde vim. Nem fazes a ideia do complicado que é viver assim. O sofrimento não passa só porque as situações passaram, não é? Não sei como é que ele passa, só sei que ainda me dói tudo. E sei que estou muito farta. Nem fazes ideia de como estou farta, já merecia que a vida me começasse a correr melhor. Cinco anos é muito tempo, nem me lembro da minha vida antes disso, nem me lembro de ser feliz. Essas memórias são tão longínquas que quase parecem memórias de infância, tal é a brutalidade da minha experiência. Claro que existiram momentos positivos, mas não davam para encher a cova de um dente. Quero esquecer tudo mas ao mesmo tempo quero manter viva a memória do que aconteceu para me lembrar do quão difícil foi o que eu passei e como eu, com muitas dificuldades, consegui ultrapassar toda esta situação, e também para não atraiçoar a minha própria dor porque ela vai ser uma presença contínua na minha vida.

Mudas-me as ligaduras?