sábado, 18 de setembro de 2010

O papel da parede desfazia-se, tudo estava imundo e cheirava a um estranho bolor de restos de animais mortos há décadas. Ela estava a um canto, já não tinha lágrimas no rosto irrespirável e falava sem parar. Dizia que o amanhã tinha morrido, que lhe faltava a teia da paixão que a apanhava no meio de um abraço, dizia que neste momento do tempo tudo perdera sentido, o orvalho tinha-se extinguindo. Era impossível olhar para ela mais do que um minuto de seguida, era uma condenada nessa estupidez de tudo o que é impossível. Há quanto tempo estaria ali, a exorcizar aqueles demónios, a tentar falar com alguém ausente na sua tristeza absoluta? O seu corpo tinha a sede de um ninho, o frio das navegações nocturnas e o que ainda restava dela era a sua voz rouca, falando no seu próprio deserto.

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