quarta-feira, 30 de julho de 2008



(Japón Flor - Color: Limon/Orange)

Se eu for laranja
E estender-te o meu abraço
Ficas um corpo de limão
E do sonho nascem
As emoções subindo
Como magia nesse odor
A vida que qualquer sol desponta
Nas tardes mais luminosas
Enquanto saboreamos os gomos
A que sabemos um ao outro
E não, não é fantasia
É a cor da Alegria!


(Escorpião Dourada)

Espécie que existe em vários desertos do mundo, mas ao contrário dos outros escorpiões é gregária. Possuí um veneno violento, mas não mortífero, a não ser que a sua vida ou a da sua família esteja em perigo. Faz estranhos desenhos na areia, que por vezes parecem letras, tendo uma estranha forma de andar. Por vezes, alguns destes animais são vistos a tomar banho nos oásis... As fémeas gostam de oferecer asas azuis de insectos (pedindo-lhes emprestadas) para cortejar os machos (os cientistas ainda não perceberam porquê) e estes gostam de massajá-las na parte lombar. O seu dourado vê-se a quilómetros de distância, sendo que os camelos são os primeiros a reparar, por causa da sensibilidade do seu olhar. (National Geographie)


("Happy Tears", Roy Lichtenstein)

Quando sonhamos, às vezes o mundo sonha connosco.

Às vezes esfola-nos o coração...
Qual era a parte do que eu dizia que não compreendiam?

O veneno da serpente da solidão
Ataca qualquer sonho
Detruindo-o na brutalidade
Das pedras gigantes contra ele lançadas
Castelos sem visibilidades que sangram
Os órgãos por inteiro
Os pés ratejam já sem pele
Nem qualquer força no caminhar
Silêncio é o quarto que ocupo
Onde digo que esta faca
Me há-de matar
Vestígios
Do movimento entrelaçando-se nos dedos
Sobrevoando a pele
Brotar a semente que levo em mim
Todos os meus navios passam por ti
Não há distância
As conchas estão todas abertas
Se do fundo do mar eu vim
Vem terminar esta caminhada
Junto a mim

terça-feira, 29 de julho de 2008



(Pain)
Sentes o meu gesto
Falando a dimensão da tua pele
Porque é que ela não
Se se debruça sobre
A minha vida de mel?
Ouves o meu silêncio
Que não consegue falar
Eu não sinto o teu gesto
Que deixas morrer no meu olhar
Pearl Jam: "Blood"

spin me round, roll me over, fuckin' circus
stab it down, one way needle, pulled so slowly
drains and spills, soaks the pages, fills their sponges
it's my blood
it's my blood
paint ed big...turn ed into...one of his enemies...
it's my blood
it's my blood
it's my blood
stab it down, fill the pages, suck my life out
maker of my enemies...
take...my...life
fuck...fuck...fuck...fuck...fuck...fuck...
Nunca quiseram olhar para mim naqueles estados depressivos, fazia muita confusão, pois agora estou pior e cada vez fui ficando pior. Devem achar que estou mesmo maluquinha depois do meu episódio de mania. Achem o que quiserem, porque estou tão só que isso não interessa. Não conseguiam lidar comigo, não sabiam o que dizer, nem tentaram muito, não é, nem procurarm informar-se, se calhar eu não era suficientemente importante. Ora a maluquinha só pede que, se por acaso tomar os 80 comprimidos, publiquem a obra dela que deve ter sido a melhor coisa que ela já fez, uma vez que com as pessoas falhei redondamente. Acho que não é pedir muito.

Sofia Sara Fontes Felix Mendes Leal


(Suicide)
Poema explicativo de alguns pensamentos suicidas:

80 comprimidos
Que empurram para o fim
Enterrada no deserto
Já a distância é demasiado longa
Para se recuperar um pedaço do mundo
Porque a dor total em si mesma
Não tem de viver permanente em mim
A escuridão que mata os olhos
Que mata a vida em si
Então que morra
Com 80 comprimidos
Porque a vida perdeu todo e qualquer sentido
E não quero ter de acordar nem mais um dia
Nem mais um minuto
Para saber que vou continuar a viver
Apenas na dor de sofrer
Poema novamente dedicado às pessoas que dizem gostar muito de mim, familiares e amigos, ex-namorados e que realmente nunca estiveram lá quando precisei, ao ponto de me ter auto-mutilado, ter tido uma overdose de heroína com cocaína, de me ter drogado várias vezes com cocaína sozinha, odiado (e a elas também) e de ter pensado repetidas vezes em suicídio (a pontos tão dolorosos que ninguém faz ideia). O doença bipolar por si só não é explicação, a solidão e a falta de carinho e compreensão são muito piores:

Os gestos de sangue nos braços
Que de vida se esvaziam
Tu nem perguntaste
Por essas feridas profundas
Estando elas à tua vista
Um poço sem fundo
Onde estive enterrada
O arame farpado era a minha vista
Nunca estive à tua frente
Só a porta de saída


(Hung Li)
Os últimos 4 anos da minha vida têm sido muito complicados para mim, eu digo sobre mim própria que sou uma resistente, mas serei muito mais por ter aguentado todas as provações a que resisti e que ainda estou a resistir.

Este poema é dedicado a todas as pessoas que sempre disseram que gostavam de mim e que obviamente eu poderia contar com elas nos momentos mais difíceis, porque nos momentos em que estou bem disposta e divertida é fácil estar comigo.

O ano que passou foi o pior ano da minha vida porque foi o mais solitário e doloroso. Acho que nunca me senti tão sozinha na vida. Esta nova forma de vida prossegue este ano, mas agora já sei que o mundo é "assim", o que não implica que sofra menos.

Porque o mundo não perdoa
As palavras fechadas
Nessas estações amargas
Eu corto em gestos de sangue
Os braços que se esvaziam
Dessa vida que tu não olhas
No meu coração devastado
Quando eu fui apenas raiz seca
Tu foste a condessa
Que talvez me tenha acenado
Soube então o que era
O esquecimento tremendo
Às portas do inferno

segunda-feira, 28 de julho de 2008

a saudade é crua no peito

o peito encerra um único sentimento

essa travessia que vagueia

sobre o que não nos empurra

o que dentro de nós atropela

o animal distante

todo e qualquer desejo

chama pela tua voz

se voltas no céu vagabundo

te recolho à berma do caminho

à porta de todos os dias
PUNK'S NOT DEAD

NO FUTURE
And nobody has ever taught you how to live on the street
And now you find out you're gonna have to get used to it

How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone?


(Bob Dylan)


(Hung Li)
Feridas sulcadas em pus
O mundo ao longe e tão surdo
Danço a noite inteira com a dor
Águas venenosas
Cantando as queimadoras
Pelo inteiro ser
Nunca regressa a canção
Encerrada em larvas sedentas
Violentas as esporas
Que se alongam no caminho
O rebentar permanente da pele
Nesse campo eterno da solidão
Eu desfazia o mundo
Se não fosse tão pequena
E o mundo não me lancina-se
Cobrisse de pó e cansaço
Para que ninguém me visse
Eu comia os mares
Se a minha boca conseguisse falar
Eu ardia as flores
Se o meu fogo fosse acesso
Eu sou mais pequena que uma migalha
Pedinte nunca deixo de ser
Mas tudo apodrece e vive no escuro cá dentro
Falho sempre na arte de viver
A cada dia que passa
E passa, o tempo passa
Eu sou a sombra que é pesada nele
- Desculpe, a moça quer beber um brinque comigo?

- Eu vou mija...

- Ocê vai mija, depois volta né? Depois a gente toma um drinque, eu ofereço pra ocê...

- Não, ocê não entendeu, eu vou mija embora. Tenho a reza da noite.

- Mas fica mais um pouco, o tempo de um drinque, reza pode esperar, santo não zanga não...

- Reza tem horário moço...

- Mas eu tenho todo o tempo do mundo.

João Vale, o mundo a teus pés


(Marc Chagall, "Equestrienne")
Bruno com os seus cavalos correndo pelos campos da boa disposição acorda carinhosamente Bianca com um beijo dedicando-lhe com a sua voz meia desafinada esta música:

You're just too good to be true
Can't take my eyes off of you
You'd be like heaven to touch
I wanna hold you so much
At long last love has arrived
And I thank god I'm alive
You're just too good to be true
Can't take my eyes off of you

Pardon the way that I stare
There's nothing else to compare
The sight of you leaves me weak
There are no words left to speak
But if you feel like I feel
Please let me know that it's real
You're just too good to be true
Can't take my eyes off of you

I love you baby, and if it's quite alright
I need you baby to warm the lonely nights
I love you baby, trust in me when I say
Oh pretty baby, don't let me down, I pray
Oh pretty baby, now that I've found you, stay
And let me love you, baby, let me love you

You're just too good to be true
Can't take my eyes off of you
You'd be like heaven to touch
I wanna hold you so much
At long last love has arrived
And I thank god I'm alive
You're just too good to be true
Can't take my eyes off of you

(Jaime sorri)
O meu mundo são ausências
Demasiadas ausências
Que já não sei de memória
Que não se partem contra rochedos
E trazem escritas as línguas mortas
Nunca chegaste a ouvir
O que respirei, o que amei em ti
O mundo foi uma escada
Que quis estender-se no infinito
A sua voz rasgou-se
Devorada pela palavra que nunca disse
Mas sei que foi fim
Mas fomos o cheiro dos bosques, das suas resinas
Lembro-me das cabeças voltadas para o sol
Nenhum barulho mais ouvi ou senti depois
Na mansão vazia onde vivi
No espasmo da minha solidão
Não sei onde foste
Onde quiseste estar
Eu passei o limite do mundo
E tive de entardecer sempre só
Nas ruas moribundas onde passei a habitar
Como a Primavera está sempre a desabrochar, como também eu questiono sobre os porquês resolvi deslumbrar-te. Valha-me que sou poeta e trouxe-a até aqui, flores e flores de Primavera só para ti! Tu pegaste com suavidade nas suas pétalas e aconchegaste-as junto a ti, aqueceste aquelas que seriam as sementes das próximas bem-vindas que no dia seguinte traria para ti.

domingo, 27 de julho de 2008



(Abbati, "Arno alla Casaccia")
A dor não se solta, fica encravada
Nas bocas dos lobos que nos comem as estradas
Correm à nossa frente dizendo
Que acabaram os dias das caminhadas
A dor escurece qualquer pólen
E mata a sua vida
Desfaz a pétala que o acompanha
Arruína-lhe os sonhos
Cortando com pedaços de vidro
A pele que se vai enferrujando
Em quintais abandonados
No alto mais elevado das torres
Que são casas de sangue velho demais
Para reaprender os cantos uma vez mais
Mensagem importante:

Eu não sou desléxica, um/a deles/as é que é, foda-se!

CARPINTEIRA
Petrarca: "Solo"

Fanciullo, io già non ero
come gli altri erano, nè vedevo
come gli altri vedevano. Mai
derivai da una comune fonte
le mie passioni - nè mai,
da quella stessa, i miei aspri affanni.
Nè il tripudio al mio cuore
io ridestavo in accordo con altri.
Tutto quello che amai, io l'amai da solo.
Allora - in quell'età - nell'alba
d'una procellosa vita - fu derivato
da ogni più oscuro abisso di bene e male
il mistero che ancora m'avvince -
dai torrenti e dalle sorgenti -
dalla rossa roccia dei monti -
dal sole che d'intorno mi ruotava
nelle sue dorate tinte autunnali -
dal celeste baleno
che daccano mi guizzava -
dal tuono e dalla tempesta -
e dalla nuvola che forma assumeva
(mentre era azzurro tutto l' altro cielo)
d'un demone alla mia vista -
Obrigada Bianca, eu roubei uma garrafa de água das pedras, não andei a beber vinho...

Sofia


(Colette, "Calascione")
Não é uma história nada de especial esta história real entre Sofia e Paulo: não podem estar juntos porque ele prefere as drogas que se drogam em demasia, dos polícias que relatam jogos futebolísticos que nunca ganham, das vozes dos machados que cortam as raízes, os nomes dos povos que não têm pensamento, falar sem parar e ruminar novamente o falar, não ouvir Sofia, não sentir Sofia, não querer sair da sua prisão dourada pelas suas mãos de pintor.
em ti se reflecte um céu
com um letreiro
que não compreendo o que diz
mas esse olhar fraco
diz mais que o letreiro
queda-se e não é um jacto
mas um gato que foge
com medo de um insecto
como de um ciclone se tratasse
o amor é uma mentira
já o disse e redisse
é uma carência que tem braço
de necessidade de abraços
mas tão passageiro
que não demora
mais uma viagem de autocarro
os sonhos são sempre escuros
começam por ser claros
e depois sobem os degraus do negro
o anseio louco de início
acaba num vulcão que não
se transformou numa ilha
ou num continente e estacou frio
a esperança morre nos braços
de quem a carregou
este tempo todo
És o cântico de todas as aves Bianca, acordando-me nessas manhãs do meu abalo que se aveludam pelas tuas paisagens quando o teu pardal-real vem até à minha mão, ou então vens com a tua garça-de-luz compor-me um dos teus cantares. Bianca, cegonha-peregrina que faz o ninho onde por vezes não te podem alcançar, eu voo como uma águia-do-mato para até ti chegar. O ar que respiras é a sede do grito das gaivotas, andorinhas, rolas-do-mar, que rebenta as tuas cidades, onde és náufraga perdida quando as asas te quedam. Mas Bianca elevaste sempre onde o sol não te cega o olhar e o vento varre as folhas que pisas nos caminhos. És a pomba castanha que sobressai, nesse teu olhar de cotovia-do-monte. Eu serei contigo a estrelinha-real que o vento irá levar, nessa viagem conjunta de asas de seiva que são o chamariz do sonho. Pisco-de-peito-azul é a minha saudação e eu sei que no teu coração és um melro-azul.

Bruno


(Fattori, "Rotonda di Palmieri")
Uma das prendas para a minha mãe que adora gatos:

Um gato foi à mesa
E tomou um copo de leite
Que não era seu mas teu
Disse-te que estava com natas
E virou as costas
Lambendo as unhas
Rindo-se sorrateiro
Das tuas óperas
Disse que o David Bowie
É que era um grande cantor felino
Outro gato sentou-se na tua cadeira
Lambeu o teu café às colheradas
Afirmou que a ciência era uma tolice
E disse que as botas dos gatos
É que eram as maravilhas do mundo
Davam viagens maravilhosas
A sítios como Itálias e arredores
Mijou na tua cadeira e foi-se embora
Um outro gato entrou em cena
A fazer o pino e outras travesseiras
Proferiu que era o Pinóquio
E que era muito dotado
Sabia de poesia
Era esse o seu destino
Comia com as mãos
Com a bocarra aberta
Era desastrado desde menino
Mas fino em simultâneo
E tinha à sua frente um grande destino
Esta imobilidade erigida em alicerces que se aguentam o tempo das mãos ficarem sem os ossos uma vez mais. Parece-me que tenho a cabeça disforme no lado direito, sintoma dessas dores diárias que modelam um qualquer tempo no lodo ancorado em todos os dias. Parece-me que voam rentes ao meu vulto moscardos malditos, enquanto os afazeres turvam todos os minutos numa nulidade sanguinária e a vontade perde a pouca persistência. Algo maior do que tudo o resto nesta dimensão de gestos que se vão completando torna este sonambulismo irreversível porque o sonho por vezes morre.
De Bruno para Bianca:



(Henri Matisse)
De Bruno para Bianca:

I see you standing
Standing on your own
It's such a lonely place for you
For you to be
If you need a shoulder
Or if you need a friend
I'll bee here standing
Until the bitter end
No one needs the sorrow
No one needs the pain
I hate to see you
Walking out there
Out in the rain
So don't chastise me
Or think I, I mean you harm
Of those that take you
Leave you strung out
Much too far
Baby-yeah

Don't ever leave me
Say you'll always be there
All I ever wanted
Was for you
To know that I care

(Guns N' Roses)
Há pessoas e pessoas. Há pessoas que têm um Valor Especial. Chamei-as há tempos de Seres Azuis, elevam-se acima das outras, por várias razões, mas acima de tudo pelo seu Humanismo, pelo facto de Olharem para o Outro, Olharem e Verem-no. Ando a pensar muito nestas questões, mas penso que isto é Fundamental, é o Cerne do Ser Humano, o Querer Ser Mais Em Si Sendo Mais no Outro, mas Respeitando-o na sua Originalidade, Singularidade, mas intervindo igualmente no Outro, no seu Processo de Transformação.

O Zé Manel é uma dessas pessoas e já me ensinou umas quantas coisas importantes. Ele está com um cancro nos pulmões e disse-me hoje “isto está mal”. Fiquei na merda. Não posso fazer nada a não ser ir falando com ele, ir lá a casa. Dar-lhe força. Um gajo destes estar mal não faz sentido. Tem uma filha novinha, 14 anos penso. Tem uma vida pela frente. Ele já não é novo mas podia muito bem viver mais uns anos e continuar a fazer as coisas fantásticas que fazia. Só de pensar que no 11º ano ele dizia que eu escrevia muito bem e eu não acreditava. Deixo aqui duas orações da minha avó para ele:

Virgem Mãe Senhora Nossa protegei-o e guardei-o como coisa própria vossa

Ó Clemente, Ó Piedosa, Ó Doce Virgem Maria afastai esse cancro maldoso do corpo e da vida do Zé Manel com os tratamentos pois ele merece esta segunda oportunidade, como sabes, pelo que ele fez toda a vida


(Carpaccio, "St. George & Dragon")


Porque quem dirige
Disse a menina
Sou eu, mesmo que me canse
E falte a esperança
Se não há barcos as mãos vão de remos
Há sempre cores inesperadas
Nunca dadas
Mas possuídas como esta arma
Que levanto e onde cabem
Todos os dinamismos
Dentro dos espaços que são meus
Dentro desta minha liberdade
Que faço acendendo os meus gestos
Que venha o dragão
Escrevo a vastidão
Transformo-o no que quiser
Num mundo só meu
No campo onde corro descalça
No som da flauta que não sei tocar
Que venha e viajarei em cima dele
Pois as espadas estão nos museus
Ou são de plástico e estão nos carnavais
Sou uma menina que apenas diz
Que os dragões são da cor das laranjeiras
Porque esse é o seu alimento
O seu fogo é acender fogueiras
Quando se põe vento fresco
Da cor dos rouxinóis
Porque também eles cantam
Ela era incomodativa, era chata, possessiva, cercava-o, agarrava-o quando estava distraído. Ela gostava de dançar o tango aos sábados à noite no teatro Luís de Bento, ao pé de casa. Era uma óptima dançarina, todos a adoravam, era simpática e prestável, bebia um gin ou dois e dançava, dançava. Levava um vestido apertado e curto, sensual, de cores fortes, cabelo solto e arranjado nesse dia no cabeleireiro. Penso que seria a melhor bailarina do sítio, todos pediam para dançar com ela. Tinha conversas animadas, contava histórias incríveis de todos os países que já tinha visitado e o seu quotidiano estava também recheado de histórias engraçadas, fora do comum. Mas ele não sabia nada disto porque ele falava por si, para si, em si. E nesse mundo assim ela era incomodativa e tudo o resto, ela que lhe pedia que ele lhe contasse as suas histórias e queria ouvir a sua voz acendendo-se. Mas quando ela falava, quando ela dançava para ele era menos do que mais.

sábado, 26 de julho de 2008

O amor pode ser azul

Diz-me qualquer verdade acerca do amor
Como as saudades são apenas um eco
Tal com a dureza das pedras
Um fardo num vasto caminho
Num lugar onde há sol a pele não toca
O ritmo da direcção do som, não o conhece
O amor pode ser azul, porque é uma escalada pelo céu
E desconhecendo a sua esterilidade cai pela ribanceira
O corpo do rio são sulcos, ferimentos das feras
De danças passadas, essas azuis, as que voaram sem asas
O amor pode ser azul, como o mar, e arruinar-se num afogamento
No sepulcro que vem de onda em onda
Chegou o tempo da espera: mais um violento espaço frio
A atmosfera metálica, essa espera cinzenta
Porque o amor é sempre azul, e dói quando chega ao céu ou ao mar
para no fim desarrumar o coração
com essas vozes colhidas
no céu debaixo de um lugar
que nem tu darias explicação
tu onde a água corre
e deixas que a corrente inunde
o mundo se inunde
diz-me onde pára esta canção
que não evoca senão um fio de cabelo
a fragilidade com que temos
e tudo perdemos


(Paul Klee, "Ad parnassum")
Querida Sara,

Estou a escrever-te porque sempre te escrevi e escrever faz parte de mim. Saber-te é esse endereço onde nos abrigamos e somos tiras de papel ao vento nesses papagaios de nuvens inacabadas onde crescemos, que se aproximam de tudo o que somos nas nossas promessas juntas, canções e solavancos, que abrimos como gaivotas. Trapézios rompendo os prados, nesse equilíbrio nosso que crepita a rama verde, olhando e penetrando com todos os primeiros sóis os horizontes perdidos que achamos. E se não somos caminhos, somos a presença dos passos.

Sempre tua,

Sofia
A mortalidade do melro

Minha mente é de frágeis golpes
golpeando-se a si mesma,
escureceu impregnando o ar desse aceleramento
que descreve a cinza dos dias que são sombras
e desencontros permanentes

Poços profundos esses pensamentos
deturpando visões indecifráveis

Sou o melro que caí morto do céu

A mudez caída na rua
enquanto um policia passa mais um dia enfadonho
com as suas multas de trânsito
e o lixo acumula-se entre nós dois, entre o nosso diálogo
não passamos de crianças tristes
a quem ladrões conseguiram comprimir-nos a um canto

A vida não existe
perdemo-nos algures na noite
e se voltar a luz da madrugada
é para nos mostrar a cabeça esmigalhada do melro


(Marc Chagall, "The Gift")
Não sei dizer o que é o amor
nos passados onde o amor se cansa,
sentido e vivido, colhido em ramo ou em flor,
o que ele canta sobra ainda nesta dança.

Podia estendê-lo na frase sem sujeito,
fazer dele um advérbio, cabelo sem trança,
vê-lo descer como rio sobre o peito,
inundar o corpo na manhã que avança.

Deixá-lo ficar nos olhos sem destino,
tê-lo amarrado ao desejo que esconde.
E persegui-lo quando parece mais longe,

trazê-lo aqui mais perto, vê-lo pequenino.
O amor voa sem ter de subir ao céu,
encobre o rosto quando fica sem véu.

(Nuno Júdice)
Dizes que de noite pensas que o dia em mim foi em ti e guardas esses pedaços que se dissolvem agora em ti quando o coração é uma casa e lentamente te aproximas da varanda sorrindo e eu aceno-te o ouro das sementes.
A Poesia é a Flor da Romãzeira que Trago no Meu Coração para te Entregar em Mãos...


(Estrella)
Eu Serei a Romã em Flor Espreguiçando-se em Lábios...

Serei a semente que contrai a imensidão!
Sandrina dá um passo, recua, dá dois passos. A primeira reacção foi ficar assustada e arrancar os botões ao casaco. Foi comprar envelopes para escrever a Dário o fixar dos seus olhos, esse seu desejo que não passa, não se perde, que demora dentro de si, porque ao vê-lo passar à sua frente como um caminho de terra onde só os que se atrevem a ultrapassarem-se são-no também um pouco de si - substância luminosa que parece ser a forma da tarde confundindo-se com a luz nos meus versos onde barcos se inquietam na busca, não pelo seu cais, mas pelo seu mar. São essas as fontes que desaguam em ti e em simultâneo onde todos os rios começam… Falta, faltou o que caiu no chão, o que esteve para ser. Sandrina não se pode aproximar mais de Dário, retida, prisioneira, sacudida, sem poder tocá-lo, e aqueles beijos não flutuaram ao longo dos rios, dos lagos, dos riachos. Teriam de lutar… Contra que forças? Contra que forças, Dário? Agora Sandrina evocava São Jorge, pensando no terrível demónio com o qual lutara e na sua nudez, que tanto a fragilizava, mas que simultaneamente a tornava num ser livre e honesto consigo mesma. Do interior suas veias mais subterrâneas vinha o poder de lutar por este grande amor. E seria com um beijo que a porta se abriria.


(Conto de Fadas)
Talvez precise desta cólera
Quando ao descer a calçada
Ela me vem aos olhos da boca
Vomitando-se e gemendo
Nomes e um império
No fundo deixou de ser uma dama
Para ser viúva de uma hora para um minuto
E se há gaivotas à minha volta
Elas são voam apenas por necessidade
Porque são animais de penas
Só isso sabem fazer
Não vendo a imensidão como imagina
Mas somente os olhos dos peixes
Que a sua fome dita todos os dias
Os meus desejos penso são comuns
Não serei gentil porque
Não sou da realeza
Não vou andar a beijar
Quem passa cumprimentando
Gentes que nem sei os nomes
Nem sei se são serpentes
Os meus desejos são comuns:
Rodear-me de rodeios
E também pouco pensar
Para quê olhar o fundo de um rio
Que não posso possuir
Se tudo o que desejamos
Não nos podemos aproximarmo-nos realmente?
O senhor ao lado sorriu-me
Eu nada digo e suspiro
Estes admiráveis botões de rosa
Sabem bem não me tocam
Eu daqui nem avisto o rio
Deixa-me sonhar alto
Diz a rapariga para a mãe
Sonha-se e perde-se a noção das coisas, a sensatez
Se todo é negócio nesta vida
Vai dizer o quê à criança
Que sonhar é um olhar atento
Às ondas do mar
Descobrindo as suas formas incríveis
Nomeando os peixes e molucos?
Não quero que me digas senhor
Eu já disse tudo
Respiro o som das palavras
E elas vão adivinhando os meus pensamentos
Ao descer a calçada
Enquanto a cólera se desfaz nos passos
Se estiveres a dormir, eu não estou e...

Bob Dylan: "I Want You"

The guilty undertaker sighs,
The lonesome organ grinder cries,
The silver saxophones say I should refuse you.
The cracked bells and washed-out horns
Blow into my face with scorn,
But it's not that way,
I wasn't born to lose you.
I want you, I want you,
I want you so bad,

Honey, I want you.

The drunken politician leaps
Upon the street where mothers weep
And the saviors who are fast asleep,
They wait for you.
And I wait for them to interrupt
Me drinkin' from my broken cup
And ask me to
Open up the gate for you.
I want you, I want you,
I want you so bad,
Honey, I want you.

Now all my fathers, they've gone down
True love they've been without it.
But all their daughters put me down
'Cause I don't think about it.

Well, I return to the Queen of Spades
And talk with my chambermaid.
She knows that I'm not afraid
To look at her.
She is good to me
And there's nothing she doesn't see.
She knows where I'd like to be
But it doesn't matter.
I want you, I want you,
I want you so bad,
Honey, I want you.

Now your dancing child with his Chinese suit,
He spoke to me, I took his flute.
No, I wasn't very cute to him,
Was I?
But I did it, though, because he lied
Because he took you for a ride
And because time was on his side
And because I . . .
I want you, I want you,
I want you so bad,
Honey, I want you.
Ainda esse sentido nos meus sentidos, uma direcção que deixou o leme que não vinha com leme, a grandeza do mistério do ser que se segue, sendo seu senhor, possuindo os grãos do seu próprio sangue, um a um, admiravelmente ditando os nomes dos seus sonhos como se estes fossem apenas palavras faladas com a simplicidade de quem tem a sua altura na altura certa e só precisa de crescer mais na criação, quando as suas mãos atacarem as cores, os lápis, as canetas, as tintas e rebentarem com o absoluto.

Ao Dinis


(Antonio Canova, "Psiche Rianimata da Bacio di Amore")
Naquela tarde especial não era assim que os acontecimentos deviam ter acontecido. Sandrina estava a brincar com o padrinho, ele estava a fazer-lhe cócegas e ela tentava tirar-lhe dois euros da carteira para comprar um gelado, quando de repente começou também a brincar com Dário e surgiu um beijo espontâneo entre eles, no dia seguinte outro e depois riram-se os dois muito. Agora lembra-se dessa tarde especial com muito carinho e o padrinho de Sandrinha diz meio a brincar, meio a sério: estou a ver que tenho de ser novamente padrinho...
É impossível retroceder a essa aversão em que as paredes caíram violentas e a boca morreu de canções. A aversão aos fantasmas que eram um encharcado de sombras destruíndo o cair dos dentes nos sonhos para não conseguir comer às refeições e deixar de ter forças anímicas, estar anémica e ser alérgica a todo o pó. Nem havia mais valia, apenas maços de cigarros, cada vez mais caros, pequenos tremores de terra, uns atrás dos outros que não sabiam a nada, quando até podiam saber a terra… A aversão era tanta que nem cheguei a colher os figos a seu tempo porque não me lembrei ou porque estavam demasiado verdes…


(Bela Adormecida)
"This is an automatically generated Delivery Status Notification.", disse-me a senhora do balcão três. Não percebi e segui caminho. Como faz o vento. "Podes querer notificar-me de muita coisa, a minha é uma porta semi-aberta", entusiasmou-se uma tarde um rapaz, que talvez quisesse-se mais conversa do que aquela que lhe poderia dar. Nem todos os nomes das gentes ficam cravados nas nossas pestanas. Uns são desabafos dos dias, desses diários quotidianos que escrevemos e esquecemos de tão reduzidos serem. Se fossem mais escapatórios talvez em meia dúzia de palavras os caminhos pudessem ser encadeados e os seres não estivessem nas ruas, como costumo vê-los, como esse ar perdido, porque voar de península em península é um ajeitar de forma que escapa a muitos. A notificação seguiu o seu caminho natural, por agora foi para o caixote do lixo, quando estiver menos reflexiva, peço outra, e talvez outra mais.
Dinis, a conversa é aproveitar o resultado que está à tua janela, onde eu sou bons dias, boas noites e o resto é presença, como se diz numa noite quente de verão, não há tradução, de tão analfabeto porque ele é a ondulação da relva, onde te espero…

sexta-feira, 25 de julho de 2008



(Flor da Romãzeira)
Uma centopeia notificada
Do que não sabia
Porque o seu correio estava cheio de beatas
Por apagar, por acalmar
Mas a vida não se apaga dessa forma
Num momento desenfreado

Se talvez ela não vivesse na penúria
Ruminando os pedaços dos caminhos
Ah, como a vida poderia adequerir
Aquela beleza de que falam as teias dos sentidos
No entanto, ela via nos biombos das ruas onde se deitava
E nos laços das montras objectos únicos
Caldos de sabor à beira de um passeio
Essa centopeia que caminhava
De pernas calçadas para fora

As ruínas, dizia, são as menos importantes
Embora permanecesse uns tempos
De relógios em que os ponteiros apontam longos nelas
Mas de seguida convertia-se no fim
Para desarrumar mais uma canção que airava em si
Mil cacos que podem ser cascas de laranjas amaciando os teus pés. Se o sul é tão longe porque se abrem caminhos soltando as folhas mortas das árvores, sabendo a exactidão dos passos a dar. O norte quis ser tractor e o oeste disse-lhe que podia ser fosse o que fosse pois as fontes não se devem prender, senão as águas nascem desertas. Lá longe navega um rio com um coração. Galileu sempre disse: é o sol que anda à volta da terra... ou é a terra que anda à volta do sol? Ou é o sul...


(Valente Malangatana)
O homem não é do tamanho sólido da rocha e à volta da sua cabeça a sua voz voava afogada, voava em nada, voava tapando-lhe os olhos ou abrindo-lhe os berlindes, como lhes chamava. O homem não estava seguro em cima do muro onde passeava contando um, dois, quatro, vinte e já se desequilibrava rindo-se... Sem si o mundo eram mundos, mundos de degraus que iriam continuar a subir ou a descer... Ele era um jacto, contou 487... riu-se... depois desceu do seu mundo e o seu mundo foi-se deitar na relva. Pensou que os olhos eram um órgão estranho, o olhar era uma capacidade estranha, a sua preferida, deitou-se na relva e deixou-se estar ali a tarde inteira...

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Naquele dia em que espreitei uma vitória
pouco ou nada me pareceram as asas do falcão
um voo surdo marcado pelo arremesso
da pressa que passa, tensos movimentos

O mergulho é sempre ensaiado de sonhos
sonhos sem vigor, apenas palavras que se repetem
os custos elevam-se só, sós e desastrados
esvaziando-se com ruídos que recebemos num espaço
sempre e incompleto tido como familiar, mas inócuo

De volta sempre a um mundo, sem dimensão
numa espera de crostas reinando um vento contrário
é notório que o chão não pára as atenções
arrasta os pés entre os nós que possuímos
e leva-me arrastado
nas unhas que se vão encravando
afundando-se os peixes no meio dos corais

E não criando expectativas
se há uma senhora que empurra a outra
a outra desce, inevitavelmente, sempre.

Eu só quero saber porque conheci
reduzindo esse mundo reduzido demais:
sei como chamar-te, chamá-lo
e neste preciso instante
em que nos afogamos
descrevo, uma vez mais,
o braço que se agita
sabendo que é apenas uma escultura

Eu desenho esculturas agitando socorros
repara que sei como definir o seu traço

alguém foge depressa, sozinha
eu apenas eu consigo delinear
com todos estes meus devaneios de observadora

Fugiste depressa
esse meu pouso, sereno... e sozinha... segura
voltar-me para a figura em fuga
devolvendo-lhe o que já procuro
na sua graça

E é nela que descubro o que deixei ficar
deslizando sem esforço, e não caio perdida
por isso deixas-me na minha própria solidão
fica contigo neste momento de escultura…
Há palavras que são ouro de sementes na tua boca: Perereca
Hoje cantei-te, perto da pele...

The Bangles: "Eternal Flame"

Close your eyes, give me your hand, darling
Do you feel my heart beating, do you understand?
Do you feel the same, am I only dreaming?
Is this burning an eternal flame?

I believe it's meant to be, darling
I watch when you are sleeping, you belong to me
Do you feel the same, am I only dreaming
Or is this burning an eternal flame?

Say my name, sun shines through the rain
A whole life so lonely, and then you come and ease the pain
I don't want to lose this feeling

Say my name, sun shines through the rain
A whole life so lonely, and then you come and ease the pain
I don't want to lose this feeling

Close your eyes and give me your hand
Do you feel my heart beating, do you understand?
Do you feel the same, am I only dreaming
Or is this burning an eternal flame?

Is this burning an eternal flame?

An eternal flame?

(Close your eyes and give me your hand
Do you feel my heart beating, do you understand?
Do you feel the same, am I only dreaming
Or is this burning an eternal flame?)
Dinis, és o animal que ama pelo lábio de um dedo e eu, ardendo livre de sonho e poesia, perto do teu volto sempre deslaço o interior do vento enquanto falas do mecanismo dos bichos em quase todas as tardes e pintas o acariciar crescente do sul que irrompe numa cerejeira elevada num tapete de pátios enredados que duas respirações em uníssono tocando-se, como se ao de leve fossem a subtileza rodopiando dos cometas, oferecem os frutos criados que sempre te disse que me apeteciam e tu Dinis também.
Ela perguntou porque é que as portas se fecham e as nossas caras adormecem um sono torto nessas fechaduras, nesses mundos onde não entra nem uma pequena mão. Se me dizes que ele é um salão onde possso dançar eu rio-me, porque houve sempre dias e dias em que eram tão quebrados que nem as janelas se abriam neles. O sol era tão quente alguém me disse, alguém que podias ter sido tu, subindo ruas e dando cambalhotas pelas horas sem te lembrares de mim. Tudo reluzia sempre e sempre, enquanto eu nunca tinha direcção e só sabia o que era chamar por era tua antiga paixão. Ela dizia com a minha voz, falando sozinha, com as palavras minhas que os olhos eram lágrimas sem parar, porque ela não viria. Talvez o caminho fosse longo, esse caminho de minutos de tua casa à minha. Tinha perdido as notas, aquelas que tocam as sinfonias com intrumentos simples de encanto que te encantava, cantando ao sol e nesses dias tu virias, há muito tempo atrás. Ela dizia, dizia e os mundos não eram senão as nossos sopros entrecruzando-se em várias posições. Agora ela escrevia nomes de uma melodia que a mordia todas as imagens e lembranças nos dias porque deixaste de estar nessa minha canção.

Beatriz


(Casal de Leões Brancos)

O leão branco constitui uma rara mutação de cor do leão-sul-africano (Panthera leo krugeri), devida a uma particularidade genética chamada leucismo. Não constitui uma subespécie. Distingue-se dos outros apenas pela sua pelagem muito clara, quase branca, causada por anomalias em seus genes. Os seus olhos são dourados ou azuis.

Esta característica não acarreta problemas fisiológicos – ao contrário do albinismo, o leucismo não confere maior sensibilidade ao sol. No entanto constitui uma desvantagem, pois reduz a sua capacidade de camuflagem na caça às suas presas.

Estes leões nunca foram muito vulgares na natureza. O gene que confere esta característica é recessivo, e apenas se revela quando são cruzados indivíduos portadores do gene mutante.

Os povos da África do Sul tinham crenças religiosas relacionadas ao leão branco. Ele era relacionado à prosperidade e à abundância e sua presença era uma espécie de dádiva divina. Também eram muito venerados pelos povos locais, que acreditavam que sua cor branca era um sinal da benevolência que deveria existir dentro de todos os seres vivos.
Em ti saí para te sentir nessa palavra que foi um sabor desejado sem ser na verdade um lábio mas acabou por ser mais do que um desejo e agora as canetas só voam em direcções que nem vejo apenas creio ver de olhos semi-cerrados quendo em ti sei ser nesses pensamentos que fazes com a tua juba ligando-se à minha, seu esbranquiçado raro, és como eu nas savanas e folias e queres que te diga os bons dias e fale essa linguagem que já sabes Dinis que te digo.
Leãozinho vamos brincar os dois... É verão e o colchão da piscina azulada está quente, atiramo-nos contra a sua água que parece um gelado mil sabores frecos, assim talvez amanhã possamos acordar com algumas questões resolvidas e o peso vá desaparecendo aos poucos, ou então, transfere-se para uma matéria que, apesar de poder parecer pesada, não é tão tão deslocomotiva...


(J. Seward Jonson, "The Big Kiss")
Dinis, algo me diz que essa seiva ao levantar-me do chão falou-me o teu coração, contra a gravidade, indicando nenhum porto ou terra que não fosse imaginado, uma borboleta de mil cidades que eu baptizei com a lava dos meus olhos. E foram esses faróis que reacendem os gestos atravessando os desenhos interiores que correram nos murmúrios dos teus rios.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Tantas vezes ouvi esta música ao pé de ti que quando Zé brincou comigo eu de certa forma cantei-a...

U2: "All I Want is You"

You say you want
Diamonds on a ring of gold
You say you want
Your story to remain untold

But all the promises we make
From the cradle to the grave
When all I want is you

You say youll give me
A highway with no one on it
Treasure just to look upon it
All the riches in the night

You say youll give me
Eyes in a moon of blindness
A river in a time of dryness
A harbour in the tempest
But all the promises we make
From the cradle to the grave
When all I want is you

You say you want
Your love to work out right
To last with me through the night

You say you want
Diamonds on a ring of gold
Your story to remain untold
Your love not to grow cold

All the promises we break
From the cradle to the grave
When all I want is you

You...all I want is...
You...all I want is...
You...all I want is...
You...
Dinis, algo me diz que tens andado pela manhã sem mim, gestos longos monólogos que oiço em subterrânea circulação. Onde anda o teu coração? Ouvi dizer nos sonhos cultivados dos limites que têm incendiado em mim. Páginas aparecem em branco, repletas de refresco de asas colorias de nomes vastos. No meu diário escrevi: Dinis, o amor é uma viagem que começa…


(Max Ernest, "Le Triomphe du surréalisme")
Um dia fugi ao fim do mundo e via a água com cores de uma coloração que parecia da minha imaginação, pensei que era cousa outra, essa realidade tão distinta e continuei viagem. O fim do mundo é perto e sabemo-lo, mas nada, nada é tão fenomenal como sentir-lhe o cheiro, chegar-lhe perto. E debaixo daquela ponte comigo fiz amor, só não sei se era o fim, mas algo começou quando gritei de prazer e depois uma pedra voou alto demais e esmigalhou-se dentro da água que continuava com as estranhas formas que os meus olhos e os apenas os meus olhos vislumbravam. Seria o fim do mundo, de um mundo ou apenas o começo de um certo dia?
O n. dedicou-me este poema:

grandiosa a intempérie
súbita das mãos

o olhar rotundo que encerra
gritaria livre

incomensurável

vácuo de bonança
em explosão eminente

tudo e o também
fascínio

terça-feira, 22 de julho de 2008



(Danielle Rae, "Kiss")
Dinis, algo me diz que nada me é alheio junto a ti, tudo é plenitude, tu dizes e dizes e eu digo atrás de ti que tudo é maduro e há cachos de uvas, vírus coloridos por toda a parte e nós rimo-nos como se o riso fosse parte de um qualquer parto. E se partes eu vou contigo, porque os nossos dedos estão demasiado perto desta vegetação abstracta onde nos escondemos para sermos um pouco, sermos muito. Porque há sempre canções a começar Dinis, de súbito, como uma borboleta apanha o teu caminho, como de súbito apareceu uma curva e tu soubeste quem ela era, deste-lhe o meu nome, esses meus nomes com as canetas das inquietações das cores. Eu dou-te a minha estrela rendilhada, que se passeia na varanda aberta do céu, a mais alta que vires no teu céu que alcançares…
O Sal da Língua

Escuta, escuta: tenho ainda
uma coisa a dizer.
Não é importante, eu sei, não vai
salvar o mundo, não mudará
a vida de ninguém - mas quem
é hoje capaz de salvar o mundo
ou apenas mudar o sentido
da vida de alguém?
Escuta-me, não te demoro.
É coisa pouca, como a chuvinha
que vem vindo devagar.
São três, quatro palavras, pouco
mais. Palavras que te quero confiar.
Para que não se extinga o seu lume,
o seu lume breve.
Palavras que muito amei,
que talvez ame ainda.
Elas são a casa, o sal da língua.

(Eugénio de Andrade)
"Ceio que foi o sorriso, o sorriso foi quem abiu a porta."

(Eugénio de Andrade)

Disparate, foi o Dinis, disse que tinha umas coisas para mim, já tinha até a porta aberta e deu-me um beijo que não esqueci até agora...
Perto do fogão sentada no chão embriaguei-me e chorei porque as minhas raparigas, essas carências atrás de carências e solidões atrás de solidões, os entardeceres queriam matar, matá-los a todas, como quem mata as caudas dos peixes e impedi-los de se mexerem. E então, ficar ali naquele chão porco imobilizada na tristeza que só vem porque o inverno é sempre perfeito, e a perfeição é a dor mais dolorosa e marca excessivamente apagando todas boas frases que disseste, às quais te respondi, enquanto agora respondo sozinha, mais vinho, gin, cerveja, já nem sinto as pernas, não quero este palco obsceno, mas é tarde demais e cheira a morte.


(Matthew Woodson, "Sandrina")
The National: Slow Show

Standing at the punch table swallowing punch
can’t pay attention to the sound of anyone
a little more stupid, a little more scared
every minute more unprepared

I made a mistake in my life today
everything I love gets lost in drawers
I want to start over, I want to be winning
way out of sync from the beginning

I wanna hurry home to you
put on a slow, dumb show for you
and crack you up
so you can put a blue ribbon on my brain
god I’m very, very frightening
I’ll overdo it

Looking for somewhere to stand and stay
I leaned on the wall and the wall leaned away
Can I get a minute of not being nervous
and not thinking of my dick
My leg is sparkles, my leg is pins
I better get my shit together, better gather my shit in
You could drive a car through my head in five minutes
from one side of it to the other

I wanna hurry home to you
put on a slow, dumb show for you
and crack you up
so you can put a blue ribbon on my brain
god I’m very, very frightening
I’ll overdo it

You know I dreamed about you
for twenty-nine years before I saw you
You know I dreamed about you
I missed you for
for twenty-nine years

You know I dreamed about you
for twenty-nine years before I saw you
You know I dreamed about you
I missed you for
for twenty-nine years
Um bilhete para a imitação falando de um corpo, sem vinda, uma viagem longa, despindo-se de alimentação que falta nesta simulação vindo-me falar, corpo definhando, devorado por si outro, olhos metálico, estranhos olhos onde não nasce senão o interior de um recipiente de golpe a golpe, desfigurando-se em movimentos de fome, sabendo correr rio, nesses olhos que nada olham de real, apenas máquinas de fazer modelos, lembrando-se das guerras e ensaiando os toques da defesa, os escravos da memória, as curvas que se curvam…


(Blade Runner)
Um bilhete para a imitação falando de um corpo, sem vinda, uma viagem longa, despindo-se de alimentação que falta nesta simulação vindo-me falar, corpo definhando, devorado por si outro, olhos metálico, estranhos olhos onde não nasce senão o interior de um recipiente de golpe a golpe, desfigurando-se em movimentos de fome, sabendo correr rio, nesses olhos que nada olham de real, apenas máquinas de fazer modelos, lembrando-se das guerras e ensaiando os toques da defesa, os escravos da memória, as curvas que se curvam…
Sara estava e explicar o cerne das cousas a Ricardo, estava um pouco acelerada, como é de esperar, tinha razões para isso... Mas o seu discurso era lógico e desperto, desperto como a lua daquela noite. Ricardo não parecia compreender, não queria compreender, estava constantemente a julgar o sofrimento de Sara e a querer que fosse uma qualquer daqui a quatro meses. Bianca entrou em acção, perdeu a cabeça, sem ter atenção, ou talvez sim, ao livro, que era o livro certo e atirou-o contra a parede perto da cabeça de Ricardo. Ele parou de falar e deve ter dito, quando se acalmou, que ela era louca. Sara pediu-lhe desculpa, tinha-se excedido. Pediu-lhe desculpa, mas estava a mentir-lhe descaradamente. Até pensou: “deviam ter sido mais uns dez ou vinte livros…”
Escrevo que te escrevo porque a minha escrita são apenas estas letras e palavras que se sucedem no tempo que clareia, mas em mim rareia, e nada é calor: só as letras o podem escrever.
Salvei quatro gatos/as com "tinha" (até eu apanhei) há uns anos, salvei-me inúmeras vezes mesmo antes de me ter posto em perigo, as gatas estão gordas mas parecem felizes, eu estou gorda mas bastante niilista, elas se calhar também estão. Vita noiosa e miserabile!
Irmã, quis João brincar ao carrossel contigo
Para te fazer voar…
Mas não sabes que só o divino voa
Com a pureza do seu espírito
Nós aqui somos todos pecadores

Houve um Deus que te levantou no ar
Tão perfeito eras fez-te santo
Mas tu querias andar descalço
Nas tardes de verão

A imperfeição disse-lhe inveja
Quando Sandra
Olhou para o seu tédio
E continuou a ver os ponteiros
Na sua lógica arrancarem um a um

Ah falaste-me no amor
Eu quis ser esse sonho que escapa
E dita o comportamento humano
Ser a portadora de um coração
Mas ele apenas toma o pequeno-almoço


(Raphael, "St. Catherine")

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Sr. Filho da Puta sou uma receita, sou uma receita do sns, tenho dores de cabeça, sou uma receita de ben-u-ron, tenho dores de cabeça, foge Sr. Filho da Puta porque elas são como cogumelos, podem ser comestíveis e ser em ti Sr. Filho da Puta. Tens medo de mim ou de ti?
é um trem sem qualquer tempo
atravessando o deserto da minha alma
se fugir apenas saberei
que fiquei algures

algures à espera de um próximo sentido
que pode ser um qualquer outro tempo
porque o que se move é a estrada
e o rastilho que espreita num olhar que tece

os dias após dias que mudam
quem fica o mesmo
nesse deserto da alma que não se abriga
sendo que o tempo é como qualquer outro
o vento para lugar nenhum
quando esse abraço parece infernal
entre o salgado do mar
e a dança náufraga das ondas
diria apenas
ao sopro do meu peito
pudesse eu ligar-me a uma pétala
A carteira que foi à vida...

Hoje consegui não atirar com o açucareiro para o chão, como vai sendo habitual. Como é que é possível eu habitualmente fazer isso? Já vos falei de um livrinho chamado “Os Desastres de Sofia”, certo? A história do açucareiro são migalhas… O Nestum está a ferver e eu estou para aqui a escrever ver isto, pensando que tenho de tratar da “minha identidade”. Ora, se eu até agora 24 nomes, revelando as minhas várias facetas não teria direito a 24 bilhetes de identidade, makes every sense. Lá vou eu à conservatória, pedir a minha certidão de nascimento. Celeste, Santa Justa, dizem eles. E daí Loja do Cidadão. Será que sou uma cidadã, porque direitos tenho muito poucos… E claro que tudo isto vai ficar caríssimo, claro… Mais valia nascer de novo!

domingo, 20 de julho de 2008



(Matthew Woodson)
Ao n.

- tem ferida, tem? eu dou beijinho...
- é preciso é ter calma, onde é que aleijou?
- foi no braço, olhe-me bem para este esfolão... fez-me tropeçar cá de uma maneira
- deixa que eu ponho um penso... tropeçou muito? doeu? água oxigenada, tintura de iodo e beijinho...
- obrigado! desculpe aquilo de há pouco. irritei-a um bocadinho não foi? não é por mal, é que eu gosto dos seus beijinhos e de quando se dobra para me fazer os curativos... não é por mal, é por bem, não é? foi assim que começou, lembra-se... ó... não se lembra...
- dobrada para fazer os curativos a Valério, Fábia começou a limpar-lhe o joelho... o rapaz desequilibrou-se e cairam os dois redondos no chão
- esqueceu m... não esqueceu!
- Valério caiu sobre Fábia
- esta, atordoada, ficou a olhar para ele
- e ele, por sua vez, para ela
- estranhamente sentiu uma estranha atracção pelo rapaz
- sem saber exactamente aquilo que o esperava, que podia ser o pior, beijou-a suavemente
- ela seguiu o impulso do momento e retribuiu o beijo de Valério
- Valério esticou o braço e entreabriu mais a porta, sorrio a Fábia, sorrindo a Fábia
- Fábia sabia estar a entrar em território proibido. no entanto, aquele sorriso guloso era uma porta de entrada que não se podia fechar
- Valério continuou beijando-a, ora de forma ávida ora serena. Vendo que Fábia não deixou de o tomar de assalto pela possível entrada súbita de alguém naquela zona levantou-se, levantando-a. Falou-lhe ao ouvido, disse-lhe que a queria, noutro lugar. Era perigoso para ela...para eles.
- Fábia estava estarrecida com a forma fantástica de beijar de Valério... estava perdida naquele mundo fantástico quando ele a levantou...
- Era demasiado perigoso, ela sabia... ela queria-o demasiado... mas não ali...
- Valério disse a Fábia que ia sair primeiro. que ela o poderia encontrar um quarteirão à frente, em frente ao marco do correio... caso também o quisesse... que ele esperaria o tempo que fosse necessário..
- Fábia apenas acenou com a cabeça, estava ainda com a respiração ofegante...
- embora não tivesse tempo a perder... mas esperaria....o que fosse necessário
- Fábia estava cheia de relva, de terra, de folhas, de, de, de, de Valério... Não podia sair dali naquele estado...tentou acalmar-se...o coração estava aos sobressaltos...
- Valério olhava o relógio de 3 em 3 segundos, no sítio indicado, parecia-lhe que a cada 3 segundos passava mais uma eternidade.
- Saiu o mais calmamente possível, mas só queria voltar para os braços de Valério, estava a demorar uma eternidade...
- coçava a cabeça, mexia no pescoço, no nariz, fechava os olhos para alcançar os lábios de Fábia.
- Márcia apareceu do nada
- Mas logo os abria, porque a qualquer momento Fábia poderia chegar, e não havia minuto a perder.
- Disse-lhe que estava muito ruborizada, perguntou-lhe o que tinha andado a fazer... Fábia começou a ficar nervosa, queria, queria, queria Valério... Tinha corrido, tinha corrido para apanhar o autocarro, sim, e agora estava com pressa... Adeus Márcia... Começou a ver o marco do correio...
- Valério batia com a ponta do sapato no chão, depois com o calcanhar, olhava o fim da rua, depois o princípio. Fábia viria mesmo? Se sim, por onde viria. Ele queria vê-la assim que a rua começasse.
- Começou a andar mais rápido
- Valério viu Fábia e foi ao seu encontro, em passo apressado. Abraçou-a. Arranjou-lhe o cabelo... sorriu-lhe abertamente
- Fábia abraçou-o com muita força
- Ganda lata (arranjo-lhe o cabelo, que querido)
- de onde apareceu a Ganda lata?
- Apareceu
- :)
- era uma lata de uma cola novidade gigante
- Fábia fez-lhe um sorriso DOURADO INCANDESCENTE
- com o filho de Fábia que tinha aceitado aquele trabalho em troca de algum dinheiro
- PUM PUM, estás morto!!!
- Por alguma razão, Fábia e Valério de mãos dadas seguiram para o fim da rua sem que a Ganda Lata pudesse ter visto quem quer que fosse
- Por muitas razões, eles seguiram para o fim da rua
- Fábia só mais tarde se lembrou da Ganda Lata... razões que desconheciam ainda... naquela altura nada lhe ocorrera sequer
- Ganda lata entra na história quando eles discutem quem começou o quê
- pum pum estás morto saíu de um primeiro andar, possivelmente de uma televisão. Nem Fábia nem Valério ouviram, é figurante e carroça de suspense
- Era um filme proibido no antigamente
- não chega a haver desenlace, por aí
- saca da pistola
- é quase um elemento decorativo
- ahhaaha
- pum pum estás morto
- pois estou
- (se calhar era um dvd, riscado)
- e como já é amanhã, já estou viva, úúúúú!
O Chá

Hoje éramos 14 no chá dos meus avós. O mais novo, o meu primo, tem 3 anos. É escorpião como eu e é adorável como eu, como devem calcular, eh, eh, eh! A minha avó ficou toda feliz com tanta gente (apesar de faltarem alguns), especialmente ao ver o seu filho mais velho, o meu pai, que tem a mania de se armar em engraçadinho. Os genes são lixados… Descobri que há quatro disléxicos na família: o meu avô, o meu tio Tó Maria e o meu tio Chico, para além de mim. Os genes são lixados… São todos artistas e os dois primeiros escrevem bastante bem, portanto nem tudo está perdido. O chá estava excelente, a conversa igualmente, esta família tem classe… classe não… realeza… como diria o meu avô! Oh yeah!
Poema antigo:

Altitude

caminhar
numa grande altitude
a expansão do espaço
como um corpo aéreo
respirando diamantes
a camada inferior dos telhados
embebe-se na paisagem
a cada movimento
a luz espalha-se
os rumores perdem-se
as palavras atingem
o estado líquido
fluem livremente
nas mãos trémulas do coração
Há quem esconda esse branco de vazio feito de nódoas mordendo as entranhas e outros órgãos. Eu vomito-o. E não é devagar. Nem para a casa de banho vou a correr. Fico muito parada, como se estivesse à espera da e vomito. Mas não é tudo de uma vez. Vai sendo… Furiosa ânsia, aborrecimento letal… Vagueio, digo um “foda-se”, penso no passado, penso algures no futuro, nada tem sentido… Adio pensamentos importantes mas eles batem à porta. Acumulo-os, ponho-os a falar sozinhos, ao mesmo tempo, canso-me, enfadonho-me, tomo uma ou outra posição… Deixo-os a falar sozinhos, eles já sabem o que é que a casa gasta… Como qualquer coisa, fica a meio, fumo um cigarro, fica a um terço. Tenho uma montanha no peito, várias, que raio de vazio. E estas paredes brancas para onde estou a olhar há hora e meia, já podiam ser cercadas por uns quadros…
O sal das lágrimas era vazio e tinha aquele frio que o gelo tem quando não se consegue derreter. Sabe a vento que voa depressa demais até uma boca encher-se, encher-se e depois rebentar e saber a sangue, que se desmaia nas mãos. As lágrimas são demasiado embaciadas, compostas por trinta bocas gritando e por nomes que não aparecem no fundo da noite leprosa. Porque choras? Porque cá fora e cá dentro há campos de medo e correr as bocas não sabem…
Se o ouro fosse o verão de um jardim, eu seria a secreta viagem que cegaria todos os olhos para que uma tempestade de tempo solidificando-se me mostrasse o brilho que cantava a promessa desse tesouro.
Hoje, por volta das 10:00, aconteceu-me uma coisa muito esquisita, entrou-me um papagaio, daqueles verdes, pela janela do quarto e disse "o absurdo não existe, estás no caminho certo." As coisas que as pessoas ensinam aos papagaios. Se eu fosse mística e não estivesse num período niilista pensava num disparate qualquer transcendental. Mas sempre que pensei assim fodi-me, portanto... Viva o Absurdo, porque nada disto tem sentido! Vai-se vivendo, estando, qualquer coisa...


(Gustavo Fernandes, "The Point of no Return")
Na labareda dos teus olhos ardiam à nossa frente sonhos de viagens. A tua paixão era uma flor que dava a volta ao sol Esse flama apenas me acalentava deixando agora saudades em todas as direcções, nos caminhos que me movo, sentindo o fragor das tuas ondas em mim.
Na fogueira estavas ao meu lado, tudo serpenteava. Dei-te um olhar meu e eis um sorriso teu. Sabes que sou tímida como a água que se afasta da areia da praia, nessas ondas cristalinas. Não viste uma estrela viste no meu olhar, enquanto olhava para as janelas, devolvendo-te o calor nessa cor de vinho entornado no chão. Viste mais do que isso, não? Então convida-me agora para dançar…
A morte foi ao dia e disse “é dia de morte.” E lá foi. Carro funerário pronto. Perguntei ao rapaz se pintava os mortos e ele disse que sim, até gostava, dava-lhes vida. Vi uma pessoa morta no outro dia, nem chegou a um minuto, achei-a gorda, mais gorda e amarela. Depois fui olhar para os cavalos e soube mais tarde que ela fazia o mesmo, até fazia corridas com eles e ganhava muitas vezes. Apanhei umas pedras coloridas no cemitério, estavam a dar-me azar, passados uns dias deitei-as fora pela janela do meu 1º andar, atirei-as com toda a força. Como é com toda a força? Deve ser como se diz não à morte “não”. Tive de lhe dizer “não” muitas vezes, ela dizia “sim”, eu chorava, chorei muito, nunca ninguém compreenderá, há coisas só nossas. Por isso, agora, toco os outros… O meu chapéu foi levado por uma gaivota e eu sorri-lhe, pode ser que ela o saiba usar…
Não sentes esse barulho crescente, esse vento nascendo degraus de letreiros trocados, esse vento vertendo sílabas tapando suspiros de olhos indicando a perda das decisões e revisões à hora do café, que vai ficando gelado? Quando a respiração se consegue escapar não deixes que os fósseis troquem palavras e olhares, pois os batimentos das unhas gelam-se e podes ficar retido nas suas prisões familiares. Não aparece como uma pergunta, é um pedido... Diz-se que é um bandido, que vem quando o sol se põe e mal se vê a sua face, de pano enrolado, ele diz-te apenas: “queres aquilo que pediste?” Não podes vacilar…Do outro lado do jardim a planície acompanha os ramos d’ouro e de marés de calor que se espalham cheios pelo sopros dos dentes de leão voadores que começaste. As colinas sonham um sonho já começado que começou há muito, de cores douradas que a beira de água das estradas reflectem na tarde de sono breve cheia de quantos-queres, reclinada e abraçada sobre o que perdura dessa mão quente que aquece e vai aquecendo sempre. Floresce uma varanda que se estende e estende como se não soubesse fazer outra coisa nesse rosto sorridente de dentes mansos rosa e verdes deslizando na pulsação que se afunda nas palavras mexidas da areia fingindo fogo de libélulas que levam nos teus olhos as cores de todos os horizontes. Vai escamando a espessura dos peixes da terra febril dando em loucos os bichos que se encontram num festim desenhado a rigor nessa cor dos lilases, tulipas e malvas. Eis o teu querer, mais que do querer, vê bem, fala com a saliva giratória inundada do cheiro da laranjeira e do limoeiro que minhas mãos em fonte te abriram. Os nossos corpos colam porque de tão vestidos estamos, as roupas apenas cobrem em musgo como se o possível fosse ainda mais possível. Mas repara, estou nua demais para estar vestida, pés também descalços, arranquei as unhas e os cabelos e pêlos. Apenas se os teus olhos forem grandes, grandes como mil berlindes em comunhão poderás sentir esse vento nascendo degraus, esse beijo, esse toque que traz consigo a humidade, no calor que abrasa os corpos que dizes serem prazer. Onde é o meu lugar só há pássaros e os teus olhos sei reconhecê-los aqui ao longe na padaria, no meio da correria dos cavalos, os teus olhos olho-os sempre de frente, como se de céu fossem fundindo-se com os meus e se me tocas já te toquei. O que vês é de olhos abertos sempre e o desejo não é mais do que um voo sem destino que vai eclodir. As colinas são o interior de algo que não sabes onde fica porque já perdes-te ou perdemos o lugar, respiramos apenas as nossas pupilas, papoilas, de deslumbramento como de vazio se pode falar tantas vezes?


(Wayne Thiebaud, "Girl with Ice Cream Cone")
Em matos perdidos quando virei as esquinas
Simplesmente não me enganei ao ver-te
Dei voltas indefinidas
Fosse sol, fosse palavra, fosse até dia

Em toda a parte é existência
Não há permanência
Porque adormeço e não senti o teu odor

Interrompo o meu pensamento
Para no silêncio olhar o que não olhei
No passado que ainda não passou
Engano esse na tua direcção
Onde está a saída para o rebordo das nuvens?

Não errei quando te olhei pela janela
E te chamei como se chamam os gatos
Debruçando-me sobre as reentrâncias dos teus olhos
Relâmpagos visionários da noite

Explicações banais são um espreitar
Insectos moribundos que jazem nas janelas
Dos outros, desses que não sabem ser ramos despidos
Quando há ausência no horizonte
Tão-somente horizonte, quão banal é?
Hoje há uma estranha humidade no ar, pensou António. Era necessária, no meio de mais uma casa, que não era sua, nenhuma delas tinha sua, isso provocava-lhe uma estranha insegurança, mas simultaneamente uma estranha liberdade. Podia partir com uma pequena mala, ele, António, o medroso dos medrosos dizendo: “vou para uma dessas casas onde recebem sem abrigos, gente com problema graves e fico lá, sempre me dão alimentação e cama lavada. Depois vou deambular pela cidade e pensar sobre as pessoas, acho que tenho jeito para isso. Pedir trocos, cravar cigarros, vender a ‘Cais’ e logo se vê.” António foi ter ao mesmo pensamento “sempre quis ter uma casa minha e nunca tive, de uma maneira ou de outra eram sempre de outras pessoas, nunca tive nada meu a não ser o meu cérebro que de uma forma ou de outra sempre quiseram controlá-lo porque nunca perceberam quem eu era.” António continuou, sentia-se, já há algum tempo a pessoa mais só do mundo porque era difícil de compreendê-lo, mas também poucos eram os esforços, o que interessava era que ele se “comporta-se segundo as normas, define-se um rumo para a sua vida.” António claramente mostrava um certo dom para a escrita e a partir de certa altura percebeu que seria esse o seu caminho e que esse seria um caminho simultaneamente prazeroso e penoso, muito trabalhoso. António estava confuso: “como se faz?” António tinha qualidades, determinação e capacidade de trabalho. Pensava que iriam ajudá-lo. Iria começar devagar, sem pôr a carroça à frente dos bois. António iria, no futuro, querer escrever um romance, mas iria fazer as coisas com calma. Falou com Oriana. Ela sorriu, disse apenas: “claro que sim António”.


(Fragonard, "The charming and intimate")
Com um beijo da tua boca
2 carícias te faria
3 abraços que demostram
4 vezes a minha alegria
e na 5ª sinfonia
do meu 6º pensamento
7 te vezes te diria
8 letras de "I love you"
9 vezes por ti morria
10 vezes por ti vivia

11 vezes te diria, basta respirares o teu olhar no meu...
12 vezes observo todo o que é navegável tocando todas as paisagens, procurando o teu olhar, imagem de um sonho que pareces ser...
13 vezes e mais umas quantas disse-te uma palavra começada por amor, aberta em esperança, aquela que libertei na expressão da vida!
14 vezes a ternura rebentando em todas as flores!
15 bagas da minha boca na direcção da tua, doces, doces bagas...
16 pomares, 17 ramos, 18 frutos, 19 flores fizeste crescer no meu dia...

(Primeira parte Mário, segunda Sara)
Marcelino brincas com a verdade e ela dá-te a travessia para o outro lado, trocas as palavras, mudas as vozes, inventas personagens. Marcelino, os teus dedos vão trocando as peles e elas têm a sua veracidade, danças com a mudança das penas das aves e no meio dessas histórias de tanto as contares consegues acreditar, porque a imaginação é assim, um novelo sem fim, rolando, sempre a rolar como os barcos num lago de peixes dourados, e tu Marcelino até juras que são prateados.

sábado, 19 de julho de 2008

Há uma linguagem que sonoriza os sons da tua paisagem numa miragem que é a verdade mais pura que senti...
Está a fazer-se cada vez mais tarde, e eu até me enfeitei preparada para ir a uma festa, mas há festas que servem a natureza ao contrário e duram ponteiros escravizados de linhas a torto e torto e não há porto que as espere…
"ainda que pareça que a vida a sepultou, ela está aqui a escassos centímetros"

(António Tabucchi)


(Joseph Cornell, "Hotel Eden")
Problemático

- Que parvoíce Marta…
- Parvoíce, o quê…?
- Andares a pensar nisso outra vez… Nessa história da tua colecção das conchas com esta chuvada, esta terrível tempestade. Vais para a praia assim, nestas condições, estás a regular bem da cabeça ou quê?!
- Mas posso pensar não…?
- Podes sofrer sim! Mas pensando bem, sempre foste um bocado masoquista… Porque é que não vais estudar física quântica, tens exame amanhã e ainda não estudaste nada…
- Mas as conchas, as conchas Elisa…
- As conchas estão lá, no mar, na areia, estão felizes… Se chumbares no exame é que é problemático!
São todas as cartas que te escrevo para tu leres… Nos sinais de trânsito, quando por acaso não sou atropelada, quando canto no autocarro uma canção de amor e todos ou quase todos ficam a olhar para mim, são os croiassants que compro porque gosto, são os dois maços de tabaco só para mim, os brinquedos que qualquer criança gosta porque acho piada, são os mil poemas de amor pensando em ti escritos em duas semanas, são as conversas que tenho contigo tu que não existes mesmo tendo existência… Ainda há pouco deixei numa caixa de correio uma mensagem com o meu número de telefone, caso alguém soube-se de ti. Mas tu gostas de outra, contaste-me tudo, eu disse-te para não seres parvo, para ires ter com ela e agora aumentei a minha dose de tabaco, de brinquedos, de croiassants, de músicas de amor que canto sozinha em qualquer lado, os poemas cantando este amor, a minha existência sem ti… Talvez num desses sinais de trânsito, numa qualquer rua que atravesso sem olhar o poema não me proteja…
Enormes são os desertos, um mundo que é demasiado incerto, permanecendo como o arrefecimento do sonambulismo que nunca desperta, apenas com o acordar dos cães que mutilam os gritos das pernas. Areias grossas que não caminham é certo, o tempo que derruba chorando as palmas calvas das mãos. Desertos, são ventos violentos em rostos que já não sabem correr. Diz-me, diz-me que te ouvi dizer…


(Joseph Cornell, "Constrution")
Marcelino, conta-me como é que um um burro foi ao peixe e disse-lhe que o sol era estrelado? "Ora, estás enganado, as estrelas são vasos que guardam segredos." "Segredos? Elas mentem com quantos dentes têm!" "Por isso estão sempre a sacá-los nos dentistas conceituados..."
Ouve-me, ouve-me que o dia te seja azul, nesse passeio de pombos. A hortelã cresce sem parar, ao longo do olhar dos pombos que fingem não olhar. Ouve-me, ouve-me, que o mar, esse meu azul te entre por todas as janelas abertas do teu olhar coberto do desse cheiro falando a hortelã.
sento-me nas minhas rimas
faço o caminho das ervas
que reservei para esta manhã
não sei a direcção do sol nem de julho
tudo parece uma animação invisível

hoje não chorei de manhã
colei os nomes em latim dos animais
perguntei-lhes a direcção do sol
todos eles ladravam como cães da alegria

as linhas fazem correntes de ar
enquanto escrevo o que a mim me devolve
porque nem sei o que quero escrever
há nomes e nomes
há sons dilatando-se
deve ser o calor que vem do sol

quis saber onde se escondia
o absoluto das cousas todas
dessas de que fala a filosofia
mas apenas consigo arrancar a emoção
O reinado dos céus foi eliminado por razões profissionais. Ficou deveras descontente, rebelou-se, deram-se grandes tempestades e até furacões imparáveis, apareceram leões ferozes, terríveis térmitas, pavorosas piranhas. A realidade manteve-se impávida, mas via-se que estava um pouco perturbada. Resumindo: mais vale eliminar o reinado dos céus, perturbando a realidade, do que ser céu o dia inteiro e nem sequer perceber o seu estado, até porque no reinado há sempre a dúvida e leões ferozes, terríveis térmitas, pavorosas piranhas desfazem reinados, e outras espécies de hierarquias.
Porque acima de tudo o que conta no Ser Humano é o:

HUMANISMO

sexta-feira, 18 de julho de 2008



(George Bellows, "Beach at Coney Island")
Agora carcomidos os dentes, esses documentos
que queriam ser mais que as gentes
Importantes de lombas que não descolavam
E vestes ironicamente santificadas

Dois pombos inchados de tanto fornicar
não quiseram ir ao altar
mas mais tarde os seus filhos foram

Tempos em que as tardes nasciam com brilho
não voltariam a voltar
Mas a noite ficaria para se acocorar
em desilusões com o mundo

Continuam dois pombos
já moribundos
A cheirar as mortes
das promessas não cumpridas

Lês qualquer coisa,
percebes finalmente que não faz sentido
o real entra-te pelos olhos

Não interessa,
ou interessa tudo
O real são dois minutos de pena
e cinco segundos de heroísmo
para depois
seres o que deves
realmente ser

* Alterado de um poema já existente
Deixei de te procurar em cada distância
Pois simplesmente essa é uma miragem
Que afasta tudo de novo
Na procura há apenas o escuro

Procuro e coroo uma loucura
Continuamente sou quem não devo
Não restará nada no fim que se inicia
Cada vez mais perto de se encontrar

Nada encontro, nem uma procura minha
Insistentemente continuo a fingir
Onde estará a busca que nunca encontrarei
Tanto fui roubada que já não me sinto nada

A eterna procura do ser
Sempre me fez percorrer caminhos incertos

Mas já não
Me aproximo de mim,
Nada tenho a mostrar-me
Quero apenas descobrir lugares
Onde possa voltar a ver

Encontra-me não quero
Só quero encontrar lugares onde possa ver

* Alterado de um poema já existente
A Serpente, o Deserto e a Limonada

Era uma vez uma serpente que achava que o tempo estava muito quente. Então, pediu ao deserto para ser o frio glaciar. O deserto disse-lhe: mas assim gelas. "E depois? Fico uma bela escultura, cheia de prestígio, num museu qualquer e já não tenho calor." O deserto estva farto destas alucinações devidas ao calor e mandou vir um mega-oásis. Mas a serpente insistia: "quero ser gelo!" Então, o deseto mandou vir uma limonada com muitas pedras de gelo e disse-lhe: "ou estás calada ou transformo-te na areia mais quente do deserto." E pronto, a serpente ficou caladinha a baber a sua limonada que estava óptima e até pediu mais uma (ou duas).

P.s.: claro que à conta desta história já fui fazer uma limonada e hum, está muito boa...!


(Andrey Remnev)