sexta-feira, 18 de julho de 2008



(George Bellows, "Beach at Coney Island")
Agora carcomidos os dentes, esses documentos
que queriam ser mais que as gentes
Importantes de lombas que não descolavam
E vestes ironicamente santificadas

Dois pombos inchados de tanto fornicar
não quiseram ir ao altar
mas mais tarde os seus filhos foram

Tempos em que as tardes nasciam com brilho
não voltariam a voltar
Mas a noite ficaria para se acocorar
em desilusões com o mundo

Continuam dois pombos
já moribundos
A cheirar as mortes
das promessas não cumpridas

Lês qualquer coisa,
percebes finalmente que não faz sentido
o real entra-te pelos olhos

Não interessa,
ou interessa tudo
O real são dois minutos de pena
e cinco segundos de heroísmo
para depois
seres o que deves
realmente ser

* Alterado de um poema já existente
Deixei de te procurar em cada distância
Pois simplesmente essa é uma miragem
Que afasta tudo de novo
Na procura há apenas o escuro

Procuro e coroo uma loucura
Continuamente sou quem não devo
Não restará nada no fim que se inicia
Cada vez mais perto de se encontrar

Nada encontro, nem uma procura minha
Insistentemente continuo a fingir
Onde estará a busca que nunca encontrarei
Tanto fui roubada que já não me sinto nada

A eterna procura do ser
Sempre me fez percorrer caminhos incertos

Mas já não
Me aproximo de mim,
Nada tenho a mostrar-me
Quero apenas descobrir lugares
Onde possa voltar a ver

Encontra-me não quero
Só quero encontrar lugares onde possa ver

* Alterado de um poema já existente
A Serpente, o Deserto e a Limonada

Era uma vez uma serpente que achava que o tempo estava muito quente. Então, pediu ao deserto para ser o frio glaciar. O deserto disse-lhe: mas assim gelas. "E depois? Fico uma bela escultura, cheia de prestígio, num museu qualquer e já não tenho calor." O deserto estva farto destas alucinações devidas ao calor e mandou vir um mega-oásis. Mas a serpente insistia: "quero ser gelo!" Então, o deseto mandou vir uma limonada com muitas pedras de gelo e disse-lhe: "ou estás calada ou transformo-te na areia mais quente do deserto." E pronto, a serpente ficou caladinha a baber a sua limonada que estava óptima e até pediu mais uma (ou duas).

P.s.: claro que à conta desta história já fui fazer uma limonada e hum, está muito boa...!


(Andrey Remnev)
Naquela manhã ou tarde, ou seria um dia, eu sonhei com o abismo de um sonho enterrado nos pés caminhando sempre. Já em ferida, pela noite dentro, seguiram, até nascer o dia. Lembro-me de cães uivando, de um banho no sol ardente no interior daquela que sempre foi a minha fonte. Não me lembro da cara das gentes, mas dos seus ruídos, falando coisas que pareciam ter um qualquer norte. Sentei-me por diversas vezes, fumei diversos cigarros. Não entrei no jardim porque não tinha bilhete, mas nos meus gestos criei aquilo que faz o sentido a que chamo poesia.
Esse abismo que subiu até ao rumor de uma cabeça de glória criada sem fim, disseram-lhe ser uma arará de penas de pavão mascaradas e eu cresci mais do que os gigantes e continuei a subir. Depois desci, bebi um chá delicioso com pedras de gelo com formas de gazelas comidas por elefantes sem orelhas grandes, elefantes já surdos. Para que queremos ouvir, se nestes abismos profundos há ecos que nos dizem: as cores mudam os mundos!
Olhos de duas cerejas penduradas, sabor a nada, vagueava, um pouco perdida na vida, encontrando pouco ou quase nada, as compras a realizar, o trabalho que como toda a gente tinha de fazer com um sabor a monotonia. Andava devagar, por vezes de olhos postos no chão, falava várias vezes sozinha, olhava em redor para perceber se caminhava pelo sítio certo, não obstante enganava-se bastante. Tinha-se também enganado na vida, tentava não pensar nisso, uma mulher resignada poder-se-ia pensar. Às vezes davam-lhe fúrias, mas passam-lhe com rapidez, para voltar a ser aquela pessoa que sobe as escadas sem cair, sem tentar cair. Outras vezes subia a correr, como se pudesse alcançar o inalcançável e das cerejas dos seus olhos pudessem nascer duas cerejeiras.
- Já não morres hoje, nem casas amanhã! – gritou Sandra, com a supralibertação no máximo.

- Um chocolate com natas por favor, desculpe, com prénatas…

- Olha para mim Albertino, quando musico contigo…

- Musicas vicedoçura? Ou gritas?

- É esta bimáfia, já não sabes? Mas ouve, ontem tive a colar os olhos ao jacaré toda a noite…

- E conseguiste? Ah, essa tua ilógica que tropeça nos fios, tem medo das fichas e segreda esconderijos aos infraratos.

- Eu sobreaqueço, é a sobrepaixão. Mas a verdade é que o jacaré tem os dois olhos repostos e o seu rim já faz trim trim.

- Sobrepaixão? A pele em prófúrias, o fogo que se fez fé? Maestra dos raios e dos coriscos!

- Para mim é uma ginga e uma praça de multisegredos até cima, por favor.

- Retempera-te… O que vais fazer com essa quantidade de segredos?

- Vou fazer o que faço melhor, desatar o vento, os passos apressados dos animais… As lanternas ultracendem-se: vou fazer hiperfilosofia!

Enfim, fim

(Adormecemos em préluz)
Essa folha mente, como uma forma de nuvem que muda de escamas, magoando os olhos, desaparece no final, à frente um inverno frio, de pele escura, morta e vazia, cujo fumo é apenas o seu funeral. Puxo o cobertor para cima para os golpes não me diferirem de maneira tão aberta!


(Chema Madoz)
Pinheiros

Se o expectante espera-se tanto, ele ficava na sala de espera arrependido dizendo sempre que talvez. Vai dizendo puxa, puxa esses cavalos que se arrancam com a força de um condutor, um guarda de rebanhos de faces impuras e de vidros que desembaciam. Quebra os braços, não precisas dos seus fetos por nascer. Tudo já nasceu, continua a crescer e está a insinuar-se nestas flores de raridade que dançam em mãos que espezinham os berços que nunca sequer nasceram. Tudo é chuva de Verão saciando os pinheiros, os sentidos das suas raízes.
A pólvora negra explodia mais do que uma vez de cada vez, dizia ser assim a vida, nada servia, tudo era sem correspondência, perante tais acontecimentos ela fervia, a água que já pouco restava no tacho, os buracos onde se metia, de onde não saia, apenas de vez a vez. À frente da pólvora negra passava gente que dizia que ela estava doente, gente que ficava por pouco tempo, gente que mal a conhecia, dizia uma palavra e logo seguia caminho. Seca era a sua figura, baixa em altura, de rosto invertebrado e olhar que se esmigalhava no espelho. Não se afirmava, só explodia, num rio prolongado, nada fecundado, matando os seus animais, descobrindo-se como um mal desejado, essa pólvora frase passada, ser nada, caminho que nem abre ásperas…
Bebo desta água inquinada, destas esquinas estancadas, que subitamente incolores vão descobrindo “digo nadas”, nesse volume que incha em arrasantes subúrbios de uma mulher perante a vida que quer ser menos do que um estaleiro, menos do que as tábuas, a pintura arruinada que estala ao sol.
Hoje de manhã ofereci ao meu pai um ramo grande de cravos e disse-lhe:

Ainda há muitas Revoluções a fazer!


(George Xiong)
Floriana, não dormimos nesta noite só nossa, coberta de vontades que se pensam mas não se abrem. Floriana, banhas-me de lua quando quero adormecer. Vai nadando por este ar pardo, talvez a noite pudesse ser uma tarde calma num banco de jardim e eu adormecesse no teu sol soalheiro. Sempre dormimos juntas, és aquela que se enrola na minha linguagem nocturna.
Imagina que não existem portas, apenas entradas, é fácil de imaginar… Atravessar os caminhos correndo os céus azulados como se fossem dedicatórias que alguém um dia te trouxe escrevendo o som do teu nome à beira do sabor da salva. Imagina que não tens existência, ninguém iria acreditar, só iriam olhar para a tua camuflagem e deixariam o ouro de parte.

Atravessas campos de trigo num céu negro de pássaros no altar. Imagina, imagina… Porque a aguardente de rouxinol está quase a acabar e eu quero afundar-me nas suas penas.

Imagina que acreditar é já quase deixar de acreditar, porque a que a imaginação podia ser uma flor que vejo morrendo com as plantas e os pássaros quando estiver quase todo morto irei cair redonda no chão sem forças para me levantar.

Imagina que toda a vida acredita num canto que cantei, num desenho que desenhei, em todas palavras que escrevi, nos disparates que fiz, nas partidas e brincadeiras que inventei e fiz na menina que sempre fui. Imagina, imagina… A imaginação é isso tudo também… Imagina que não existem portas…

“You may say I'm a dreamer
But I'm not the only one
I hope someday you'll join us
And the world will be as one”

(John Lennon)


(Maio 68)
Maria Carminda
Tens a casa para arrumar
O que fazes a sonhar?

Moça larga os sonhos
São viagens sem retorno
E tens a casa para aspirar

Sonhos tontos de menina pequenina
Que brinca com bonecas sujas
E dá-lhes comida de plástico à boca

Tens de lavar a loiça
Lavar as janelas
As compras a fazer Maria Carminda

Tens de ficar a saber
Tenho mesmo de ser eu a dizer-te
Os sonhos estão mortos

São apenas brincadeiras
Com que os adultos se divertem
Para passarem o tempo

Não chores Maria Carminda
Há outras coisas para fazer
Com o teu tempo

Porque os sonhos Maria Carminda
Pensa bem, eles só doem
Porque eles não acontecem

Só ficam na nossa cabeça
São apenas desejos parvos
Depois vão ficando: moem, aleijam e pesam

Não se realizam Maria Carminda
Mais vale arrumares a casa
É mais real e realiza-se

Pega no pano do pó
Limpa os sonhos e depois vive
Sem esses disparates dos sonhos

É melhor para ti Maria Carminda…


(Jeanie Tomanek)
Estender a memória até uma qualquer história: podem ser homens flutuando com vontades de serem nus ou apagando fogos, mulheres mudando candeeiros ou colhendo a fruta com vontades de serem caminhos perfeitos. Porque a perfeição, amigo, ela existe, já a vi e revi, escrevi artigos sobre a sua aparição. Deu-me um vazio na alma, atormentada por uma existência demasiado vestida. Então, quis embarcar nessas linhas sinuosas da perfeita criação, ultrapassando os solavancos dos lugares em ruínas, dizendo a quem passa: só tinha pedido o moderado, saiu-me a perfeição!
Alexandre, este calor abrasador que nos aproxima. O quanto preciso da tua presença Alexandre, do teu toque a escaldar na minha pele, da tu pele faiscando na minha, nestes 40 graus, neste nosso sangue correndo em conjunto, fervendo num círculo infinito. Esse teu murmúrio Alexandre, segredando aos meus ouvidos essas palavras só nossas, aumentando a temperatura. O teu toque, a minha pele na tua, o sonho que sonho agora nos teus braços até chegar até ti já em chamas…
Se há uma criação ela que deslize em termos de igualdade através daquela que a canta, no mundo das imagens que a consume, sê-la de pernas reviradas nesse universo que evoca as palavras sem as conhecer a peito, sem saber de onde vem o vento. Eu oiço os rumores da vida, eu anseio tocar o seu rosto…


(Matthew Woodson)
"Lá fora...
A Verdade desliza
como uma mentira quase perfeita."

Lá dentro deslizamos como ventres em caminhos de redemoinhos, uma maturidade ilegível através de favos de gentes que dentro encerramos, precisamos de cores e sapos mágicos que se transformam em castelos que em areia se despenham e depois apanhamos os restos para falarmos de assuntos dejectos e desconcertos e fazermos rir os convidados. Quem os deixou entrar? Mas que entrem, porque bem vindos são nessa ilusão que o sol anda num movimento de contextos e a vida deriva quase toda daí…
2007

"I've been looking so long at these pictures of You
That i almost belive that they're Real
I've been living so long with my pictures of You
That i almost believe that the pictures are all i can Feel
"

(The Cure)
Se há uma praia ela é num dia de inverno quando fui contigo Mário e não me querias dizer o que eu queria sempre dizer-te, porque sempre me tinhas dito que tudo era sempre frio como naquele dia, mas eu já o sabia, até estava sol naquele dia Mário, eu quis estar nua, tirei apenas as calças e fiquei assim de meias e fui molhar os pés, convidei-te, fomos os dois molhar os pés e até te disse que a água não estava muito fria, olhaste para mim muito sério e disseste “sabes, às vezes, nem tudo é frio, tu nem sempre és fria”, eu sorri, falamos de muitas coisas, das cores estranhas do azul do mar e do céu, da textura da areia, porque está que tudo está tão caro e as pessoas tão quietas, o último livro que andavas a ler… e quando começámos a sentir a água a ficar fria nos nossos pés fomo-nos embora.


(Jonathan Viner)
Oriana, o gelo aglutina-se dentro de mim abrindo brechas em todo o que é mágoa e sabes bem que não posso parar de gelá-lo, embora tudo em mim seja de uma temperatura solar do som das florestas. Mas esse vento é frio Oriana, e pesa nas mãos, porque não acredito nessa gente que diz que é boa gente e depois vai de retro como as serpentes e deixa-me no escuro a soluçar sozinha a chamar por uma mãe que não existe. Profunda dor, profunda dor, era só um passeio que eu queria Oriana, não iria falar porque a minha boca estava muda mas iria ouvir. A tristeza é muda, mas ouve bem: ouve-me, leva-me a dar um passeio…
Essa cor de folha não mente, apenas muda com a estação, é uma paixão de corrente de um mar que vai sentindo o borbulhar dos peixes nos seus andamentos, o natural acontecimento que muda a folha sempre, toda e qualquer estação...
Dia Internacional da Amizade

Hoje em dia há dias para tudo, se não houver inventa-se, vai-se sempre inventando cada vez mais. Este dia, especialmente tendo em conta o ano que se passou, é irónico, mesmo sarcástico, o pior ano da minha vida, o ano em que me quebrei totalmente sozinha sem os meus amigos, no pior ano da minha vida, o ano em que me apercebi que a amizade, aquela “coisa” que ponha lá em cima era morna, às vezes gélida e me deixava na solidão das solidões. Acredito menos no ser humano hoje em dia. Às vezes com grande tristeza, às vezes com grande raiva.