quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Não podes morrer
Porque és demasiado grandioso
Estás acima de muitos
Pertences àqueles que não se curvam
E são os mergulhares do mundo
Dizes as formas das cousas
Abrindo as janelas dos saberes
A qualquer gente
A tua compaixão e crença
No ser humano são virtudes
De um mundo mais justo
Não podes morrer
És um homem que dá rumo
À vida de outros com a tua luz

Ao Zé Manel

(Edward Burra, "Balcony")
Eu só falo esta língua
Porque é quem eu sou
Ela acompanha todos
Os meus passos
O que os meus olhos desvendam
Todas as alegrias e tristezas
Encontram faróis na poesia
Ela gira o mundo

À minha volta inquieta
Cheia de magia
Esta é a minha linguagem
Ela é todo o meu universo
Crescendo do fundo de mim
Andas pelos caminhos
Crescendo nos teus pés
Aquilo que sentes é o alvoroço
Do teu corpo a acordar
Como se a vida quisesse
Cavalgar os montes
Da penumbra abre-se
Um dia radiante
Os obstáculos são apenas
Silvas a evitar
Tu és valioso como um melro
Que chia e faz sorrir as gentes
Não há frio que te afugente
Porque és quente
E o fundo dos teus olhos é meigo
A tua realidade é um voo
Sempre mais além
Queres perseguir o mundo inteiro
Mostrar o teu canto
Como uma centelha acesa
A vida em ti é uma fonte
De faróis que nunca perdem
O seu brilho

(Margarida Cêpeda, "Leves são os pássaros")
Se apanhares um pássaro
Com as mãos que exaltam
As colheitas de cores abertas
Guarda-o no peito seguro
Ele criar-te-à um ninho
No seu belo interior
Chama por outros pássaros
Serão sua companhia
Cantaram todo o dia
Não percebes o que digo
Não sabes que estas palavras
São a minha fala
Aqui há um coração
Que bate nas mãos
Entra como fogo pelos
Meus olhos adentro
O corpo é um relâmpago
Sente tempestades
Música de compasso acelerado
Bebo cafés azuis
Passo dias a voar
Com as gaivotas
Sei desenhar os céus
Todas as cores
O meu riso ouve-se
Do outro lado do rio
Os meus gestos alimentam
As estações dos corpos
As minhas mãos
São livres como os campos
E tu não percebes o que digo
As palavras das folhas
A giravolta do pato e do cisne
A vastidão deste poema
À minha Avó Ivone



(Margarida Cêpeda, "Eucaristia")
É uma respiração
Que pára o mundo
Com seus gestos de acção
Que muda as cousas
Perpassa para os outros
A força e a generosidade
Mulher que subiu a vida
Em busca das estrelas
Com a fé ao seu redor
Nunca desalentou
O brilho só seu
Nunca se apagou

À minha Avó Ivone

(Francesco Clemente, "Air")
Oriana, sinto que o meu coração é apenas umas gotas de sangue, secando como o Outono seca as folhas. A pele parece esfacelar-se e quero fugir para além do mundo. Oriana, há lanças que me ferem de sítios que desconheço e não há qualquer refúgio à vista. Oriana, falas-me num ideal maior que vive dentro de mim mas já em tudo desacredito, não sei ter asas, não sei sonhar as maravilhas de que me falas quando à minha frente só há um deserto de bolor.

Sofia

Sofia, o teu coração é grande como um bando de pássaros a voar, uma primavera que deslumbra toda a natureza com a sua chegada. O mundo abraça-se contigo porque tens sempre algo para lhe mostrar. O que te fere agora verás que a vida com as suas mãos ternas acabará por curar. É breve o inverno que temes e as flores que segurámos nas mãos caminham já na nossa direcção. Sofia, o ideal vive sempre em ti porque tu própria és esse ideal, navegas nas maravilhas que constróis e há tua frente há sempre um horizonte cheio das tuas fantasias.

Oriana

(Fernando Vignoli, "Breach of Light")
Sara porque é que esse amor com que sonhámos partiu sempre e nem ao nosso lado passou. O dia anoitece sem pré Sara e a cama está fria uma vez mais, como o resto do corpo. Tudo parece ter gelado. Tudo são bocados arrancados no meu olhar sem saída. Sara, se me pudesses dar acesso a outros céus, acalmar as minhas feridas e seres as janelas que deixei de vislumbrar. Sara, eu tento seguir o rumo do teu olhar com o meu já demasiado cansado para olhar.

Sofia

Sofia, o sonho nunca parte, ele é uma ave à tua espera, um voo que canta a vida. O amor é um murmúrio que se sente na pele com estas palavras que te escrevo, que sempre te escreverei. O dia anoitece para crescer radioso, e no frio há um caminho cheio do moinho dos astros que são o fogo da noite. Tu vês tudo com o olhar que desenhas nas pessoas e nas paisagens, és essa caligrafia que se entrelaça e corre nua porque a tua liberdade deixa as feridas no passado. Tu consegues abrir todas as janelas, ou serão elas que se abrem à tua passagem? Sofia, o meu rumo é o nosso rumo e olhámos juntas o mundo inteiro.

Sara
A mim

(Dominic Vatosu, "Female)

neste sentimento de poeta
canta-se as sílabas
de um olhar desabitado
que se cristalizou
lamacento inverno
que enterra as palavras
ressequindo as árvores
neste sentimento de poeta
não há nobreza na canção
só um lamento inútil
que naufraga nas suas mãos
não nascem raízes
não estão iluminados os caminhos
mas o poeta faz sempre
nascer uma nova canção
de um terreno despovoado
faz dos seus versos terra em ebulição
A minha morada
É em lugar nenhum
Sem coração parto
Todas as manhãs
Dádivas nunca dadas
Racham-me o corpo
Todos os gestos
Não há morada
Em nenhum
Dos meus caminhos
Só pedras silenciosas
Fugas destas horas
De angústia

(Ashlee Comerford, "Metropolitan Evening")
Bianca, o que queima aqui dentro senão essa dor pesada de uma ausência de palavras. Mas Bianca tu és um furacão que passa aceso e ensurdece quem o sente. Bianca a tua vida não tem freio e estremeces corpo inteiro, falas os quatro ventos e regressas em ardor.

Eu seguro-te a tua mão quando o abismo estiver à tua frente. Abraço-te quando a tua raiva treme e quer invadir tudo de chamas. Serei quem te protege em todos os momentos pois é aquela que sabe respirar o corpo das flores, as madeiras novas. Faremos viagens que o próprio coração tocará, passos dançando rios de sementes.

O teu Amor, Bruno

(Vincent Van Gogh, "Sufferring")
Lisa, danças nas praças com um lenço redondo à tua volta, ris-te sozinha e enches-te de céu. Sabes que o amor é uma ilusão, uma canção armadilhada que se acaba num repente. Lisa, brincas com a luz da manhã enferruja os pensamentos de amor, essas portas que queimam as mãos.
Beatriz, corpos suicidas empilhados num mundo respirando o seu abandono. Diz-me Beatriz como é que o rio do amor se distanciou tanto? Diz-me como morreu o ser vazio de si, estrangeiro e seco? Beatriz, corpos de suicidas em todos os lugares com o escuro nas mãos desfeitas.
Beatriz, o sangue espalha-se pelo chão, jorra pelos caminhos, traz veloz o som da dor, das sombras para quem é longa essa melancolia absorvida interiormente. Beatriz sabes que não lhes podes segurar as mãos, que as águas sujas desesperam quem sozinho se encontra e se afoga nelas na noite mais profunda. Porque Beatriz o abismo está a um passo no imóvel silêncio.

(Richard Gray, "Pain")
talvez a morte
seja a melhor sorte
caí há muito
e não me sei levantar
os meus dias são o sofrimento
as grades fechadas das paisagens
memórias perturbadas
de tempos há muito idos
a morte chama-me
por entre as pétalas secas
das flores onde vivo
em quantos estilhaços
já me parti nos tiros
que me alcançaram?
galos que me mordiam a cabeça
cavalos aos coices sem cessar
mordidelas de cobras de dentes assanhados
já nem me lembro de todos os ataques
apenas sei que me estilhacei
e já não me encontrou
nos pedaços sem retorno
tento tactear quem fui na terra
onde me descobri mas apenas
sou as sobras, o que restou
uma viúva de mim

(Dominic Vartosu, "Sink")
quando os vegetais deixam
deixam de crescer nos campos
a fome cresce nas mesas
quando a servidão
por um bocado de pão
nos faz rastejar
as meninas ficam presas
e acordam vazias
de corpo exausto
a resina seca
tal como os afectos
a cor dos versos
ninguém os quer aprender
são inúteis para
os estômagos vazios
que doem de tanto doer
a mulher em queda
vai caindo no fundo do mundo
sentindo como a liberdade acorda morta
ela herda a morte
dos pássaros que já não voam
as sementes arrefecidas
das quais nada germina
o frio dessa mulher
é o que morde
as lágrimas impotentes
no caminho da mulher em queda
não há retorno
porque o poço enterra vivo
quem o naufraga

(George Areshidze, "Autumn in the sky")
se morreres não morras
fica perto de mim
vamos juntos às estrelas
com as palavras nas mãos
e os olhos na dança da viagem
se morreres crescemos
como crescem as raízes
o coração baterá
no céu aberto e desnudado
fica junto de mim
passeando os dias
com os passos abrindo as ruas
se o amor é um desenho
de campos abertos
eles morrem nas mãos
não sonho contigo nenhum sonho
porque sonhar
é apenas soprar no vento
e o vento não é uma canção
o amor pode ser uma sede
mas as suas águas são impuras
abrindo os olhos
os campos são apenas imagens
que o olhar captura
Sou a raiva que dentro de mim destrói-se e no ventre brutal esconde a traição de si. Aquela que se abandonou e agora fala na queda do chão que o seu corpo desbravou. Sou a enxada afiada que marca o corpo de miséria. Pele ressequida que não tem coração, o mundo é apenas um lugar longínquo que olho sem atenção. Uma raiva que avança para o ódio, cercado o meu ser, um rosto escuro que cresce na podridão que ao longo das veias vai criando o ser.

Bianca

(Rusudan Khizanishvili, "Sadness")
matei o meu nome
que era milagre de fogo
deixei de saber tudo
o que sabia
pois num instante se apagou
nem fogueiras recordava
fazer com as minhas
antigas mãos d’ouro
matei o meu nome
para ficar esquecido
entre os rochedos escondidos
onde as derrotas se acumulam
como em mim se abrigam
cinco espadas
de esquecimento
à beira de um princípio
o abandono da claridade
conta as histórias de outrora
engolidas e desaparecidas
cinco espadas
marcam de dor
gritando pela casa
que deixei de encontrar


(Shohreh Mehran, "The Sacrifice")
Uma cama estranha, uma noite sempre escondida no horizonte, este mundo que seca as palavras e a poesia cai no silêncio profundo. Ó cidade onde não me encontro, onde vão meus passos? O cinzento do rio, o céu num banco vazio. Apenas vem até mim o som do vento esquecido que por aqui passa.
A maior ferida que tenho
Fui eu que a abri
Mas não estiveste ao meu lado
No caminho que não percorremos
Porque o teu medo falou mais forte
A maior ferida que tenho
Foram as minhas lágrimas
Molhando tudo à volta
Porque não estavas comigo
E não tinha o teu olhar de volta
Sabes quem sou
Tu que te dizes
Meu irmão?
No meu caminho
Não me cruzo contigo
Do que sinto
Não me perguntas
Tento explicar-te irmão
As minhas quedas
Onde são os espinhos
Mas tu irmão
Só me falas com a voz
Da incompreensão