terça-feira, 11 de outubro de 2016


O Peixe Grávido
 
Eras escamas feitas de asas de abelharuco e já tinhas nadado por todos os mares, um dia conheceste uma borboleta-folha e acasalaste com ela. Ficaste grávido e nadavas mais lentamente, também tinhas uma fome exagerada de musgo. Quando tiveste a tua cria mal podias acreditar: metade era escamas, metade era asas. Quando o teu filho Gervásio cresceu quis ser papagaio de papel e ganhou muitos campeonatos. Ele apaixonou-se por uma sereia e canto-lhe a poesia que aprendera contigo: ela atirou-se aos braços dele.

Todos os animais
 
Sou um animal diferente todos os dias, um leão duro de roer que se transforma num esquilo de sabedoria, vivo vinte e quatro horas por dia acordado para aproveitar todos os sons que a floresta faz, também gosto de ser insetos, por vezes sou um formigão e caço restos de tudo o que é vida. A vida para mim é tudo brilhar, o sol, a lua e a velocidade que atinjo quando sou gazela fugindo do perigo de dentes aguçados pela fome, tenho fome de brincar com castelos de areia, de vez em quando vou à praia construir mil castelos que invadem os buracos onde os peixes se escondem. Agora sou um animal vaidoso: uma serpente de pele de diamante, ando a passear para a mostrar e deixo um rasto de beleza: todos saberão que estive por aqui.

És o meu recheio de tutti fruti pois és só frutose e desejas adoçar-me dos pés à cabeça. És fruta madura que vem até à minha boca para depois viajar nas minhas veias que te esperam vestidas de luxo. Misturas-te com a minha seiva para sermos um átomo caloroso pleno da vida das refeições surpresas, vida que se ergue alta e robusta.

Fura-fura
 
És travesso pois és um ser turbulento a que chamei fura-fura, esburacas as paredes de qualquer mundo para preencheres os seus buracos de tinta e manchar tudo de rebuliço. Fura-fura meu és fera que marca o território com rebuçados de mentol, o horizonte que crias é mel que se desfaz na boca virada ao contrário. Rebelde cheio de causas lutas pelo sangue a cem à hora pois assim podes voar com as vértebras musicando.

Encontramo-nos num céu arrebatador e fazemos uma lua cheia plena de Amor que ilumina as chaves que abrem horizontes desconhecidos. Entramos nessa travessia e rodeámos-mos de planetas desenhados a tinta de jato. Então escrevemos a Nossa escrita de imaginação carpinteira que esburaca os tapetes vermelhos que se estendem fazendo-nos especiais. É verdade que somos especiais pois intrujámos o universo para ele circular à nossa volta e assim dominamos a força de todos os animais, somos rápidos a fazer os sons que criam mais universos.

“Acorda menina” “Já sabia que estavas acordado, queres ouvir-me falar verdade” “Sim, passaram horas e eu não ouvi a minha menina” “Vamos falar sobre o quê?” “Queria saber mais sobre seres ouriço-cacheiro” “Ora, depois de acordar com água na cara os meus espinhos saem para fora” “Mas eles devem estar escondidos pois nunca os vi” “Pois, são segredo meu” “Deixa-me vê-los” “Eles metem medo pois são aguçados” “Sou corajoso, mostramos” “Prepara-te…” “Ai, ai, dão mesmo medo” “São feitos de fósforos apagados mas ainda têm força para se acender” “Deixa ver um aceso” “Taram, parecem fogueiras porque sou feita de fogo” “Isso sei eu e gosto de atear ainda mais o teu fogo” “Os meus espinhos picam mas a sua picada é feita de cócegas” “Pois, é como a tua picada de escorpião amarelo” “Os espinhos estão mais ativos à tarde, transformam-se em dinamite e descobrem caminhos novos” “Dá-me alguns” “Sim, posso partilhá-los contigo, mas eles explodem a sério e fica tudo do avesso” “Explode comigo então” “Se me deres um beijo” “Dou-te mais do que um, és a minha menina”

Pintada de vivaça
 
Sou vivaça e quando os meus espinhos saem para fora sinto-me num estado excelso, tudo é magnífico à minha volta e abro as minhas mãos trepadeiras nos pinhões que estão espalhados pela terra. Sou jovem rapariga e vivo aos altos e baixos, quando subo as montanhas escrevo como um furacão, quando desço e não há sol as letras têm menos força mas são minas de pedras preciosas como sempre. Chamo-me fantástica e gosto de renascer a cada dia e ginasticar com os rios diversos que cada hora tem. Tenho uma luz interna que brilha nas casas que construo, casas de papel que gostam de nadar no céu ilimitado. Sou vivaça e tudo o que mais desejo é pintar a minha vida de sabores intensos que saltam alto, alto.

Isco

Quando te aproximaste de mim até o mar se encheu fusidias, diamantes voadores cantaram uma canção sublime de um Amor Verdadeiro que se abeirou de dois seres que olhavam o mundo com iris igual. Ele deitou um isco Espiritual e foi fatal: ela incendiou-se de sorrisos. Ele pesco-a primeiro com palavras de beleza múltipla, ela descobriu muitas palavras novas e soube finalmente o que se escondia por detrás do Amor. Ela também o pescou, escreveu-lhe versos sérios e de tropelia, disse-lhe que queria as escamas dele junto dos seus fluidos vitais. Agora são inseparáveis e querem continuar a viajar na sua história que se escreve com os materiais de um casal, têm tudo: o teto, as paredes e o chão e respiram o fogo que os aquece cheio de açúcar que produzem em uníssono.


Sabes que bebo groselhas como quem bebe uvas, a sua cor é o jovem Amor que temos um pelo outro. Será sempre jovem porque vive do sonho de cada um de Nós e junta o ser que temos morando cá dentro que faz a Nossa vitalidade renascer. Somos um e eu junto as groselhas em dominó para a tua boca as receber.