domingo, 14 de setembro de 2008

ao sabor da tua canção
colhi as macieiras
que se estendiam pelos
teus acordes esvoaçantes
algures no despontar do dia
dei-te água com as mãos
eras o reflexo do sol
que se confundia
com os sabores
dos nossos beijos
os pássaros soltos nos arbustos
despiam a nossa pele
fresca da manhã
os nossos olhos desapareciam
um no outro
num abraço dentro
da fonte da vida

João Vale, o que vale vale

(António Veronese)

Jaime, o teu sonho de amor é a maior das loucuras porque de tanto apertar o coração ele rebentou. Sempre me quiseste levar para as altas montanhas onde posso fechar os olhos e continuar a ver a estrelas mas esse ideal morreu no meu peito. Pedra atrás de pedra fui caindo nessa ilusão e restou a solidão das noites tristes e um coração esvaziando-se aos poucos. Estou longe do brilho das estrelas, não consigo crer nas promessas que as tuas palavras me vão trazendo. O poema que há em mim não acompanha mais a tua canção de amor. Não me respondas Jaime, a tua resposta iria magoar-me mais.

Sara
Caos é o meu nome
Vivo a explodir rochedos
A acelerar o tempo
Como um furacão irado
Sou uma corrosão
Que entra pelos sentidos
E derrete-os sem misericórdia
Tremo os céus
Tal é a minha intensidade
Ferozmente se atiça
A qualquer momento
Sempre sem medo na sua revolta
Ganhando uma soberba exaltação
Caos sem rosto que cala
Qualquer monstro
Que no meu caminho aviste
Destroço-o impiedosamente
Arrasando-o até ao seu desfecho final

(Tamara de Lempicka, "The musician", 1929)
Mulheres vos tornaram
Ao longo dos tempos
Servas e donzelas
Vossas vozes vos calaram sempre
Escondidas durante séculos
À submissão dos homens
Espectros de vós mesmas
Clamando pelo Vosso Ser
Lutaram por se libertar
Combate sem igual
Tornadas heroínas
Nunca baixaram as vozes
Se agora o céu é mais azul
Para todas nós
É graças a quem incendiou
As sombras da nossa opressão

(Miss Clara Helm and student)
Sombras atrás de sombras viajavam no meu olhar. Eu era a própria perdição, enterrada no inferno, os vermes escondiam-se em cada gesto, já não havia uma única canção. Reduzida à minha ilha de solidão, no meu lado só permaneciam raízes rios e secos. Eu ouvia o barulho do frio no corpo e as suas tentativas de respiração. A palavra desesperança estava constantemente colada ao meu tempo de cansaço sempre escurecido enquanto a poeira ia pousando sobre mim.

Beatriz

Na minha imaginação te refugiaste porque eu te estendi as mãos. Ofereci-te a fantasia no meio da tempestade, cores no seio das sombras que eram os teus fantasmas. A viagem da poesia nunca te largou e foram os teus frutos no teu mais alto céu. Disse-te que havia magia nos lugares onde vias espinhos com os teus olhos ardendo lágrimas. Sei que pegaste nas tuas palavras e inventaste um novo mundo, libertando-te da desesperança, voltando a acreditar no sonho.

Bernardo

(Alicia Thibaut, "Calidoscopicos Suenapeces")
O meu medo sempre me prendeu as mãos porque tudo me prende os sentidos. Este abandono no meio de um descampado, rodeado de escuridão, onde nunca encontro a saída, onde nunca me espera ninguém. Dias cinzentos que cobrem o horizonte com promessas de desgraça, penso sempre em emboscadas quando o dia nasce nas cidades.

António

O medo é só um caminho que nos faz tropeçar, mas tu António consegues abrir os teus sentidos ao respirares o mundo que desabrocha perante ti, que não é feito de escuridão, mas transporta luz até ti e verás extensos campos onde encontrarás gente amistosa. Nem todos os dias são cinzentos, só aqueles que trazem chuva à terra e as promessas que tu esperas és tu que irás fazer crescer. Eu estarei aqui António com as minhas asas e segurar-te-ei no teu caminho, não terás obstáculos e seguirás o brilho dos teus olhos.

Oriana
Chamei-te sim
Durante aqueles dias
Em que não conseguia voar
De joelhos esfacelando
Pelo chão morto
Chamei-te no medo
Que sentia em ver-me
Moribunda e só
Quis que viesses
Que as tuas palavras
Me aquecessem
Assim o meu mundo
Não seria um abismo tão fundo

(Dragonflies)
Quando o baile estava cheio, diz-me tu o que procuravas, nesses olhares cheios como as luas, mochos nas noite aberta? Procuravas um rapaz Lisa, outro e mais outro, um copo de sangria seguido de outro, o inebrio de tudo o que te rodeava. Falavas como se o mundo fosse o teu reino e espelhavas o teu charme por onde passavas. Um desses rapazes conquistaste, uma noite com ele passaste. Um brilho surgiu no teu olhar. Mas tudo acabou de manhã quando ele não era o rapaz, quando a noite não tinha sido assim tão bela e ele se foi embora. Lisa, o vazio instalou-se de novo, mas recomeçarás de novo a tua odisseia.

Estava uma noite de lua cheia e Alexandre não conseguia dormir quando viu uma bela rapariga a chorar. Já a tinha visto diversas vezes, ela andava sempre com uma cara tristonha. Foi ter com ela e perguntou-lhe o que se passava. Ela respondeu um seco “nada”. Ele disse que tinha um poema que tinha acabado de escrever e que podia dizer-lhe:

Chamei-te sim
Em todas as noites
Em que não dormi
Chamei-te como se pudesses
Ser um pássaro e as tuas asas
Me adormecessem quentes
Chamei-te para bebermos
De todas as fontes
E corremos todos os campos
Como se fossemos a alegria
Esticando-se dentro de todo o corpo
E o nosso abraço fosse eterno
De encontro ao céu
Subiríamos de peito aberto
E nada ao pé de ti seria deserto

Lisa ficou maravilhada com o poema, este rapaz não tinha nada a ver com os outros que ela já tinha conhecido, disse-lhe que se chamava Lisa e ele sorrindo disse-lhe o seu nome. Ficaram a conversar a noite quase toda.
Não quero o meu
Coração de volta
Dói-me demasiado
Acima das árvores
Distancio-me
Nem dentro nem fora
De mim mesma
Há beleza nem fragrâncias
Coração de respiração
Sem falta de ar
Como podes
Acompanhar a minha voz
Quando tudo o que dizes
Desaparece e restam
Palavras sem afecto
Junto dos meus pés

(Paul Cézanne, "The Bay from L'Estaque")