segunda-feira, 17 de outubro de 2016


O teu toque

Sou mulher de toque de pele. O meu sangue está muito perto da pele e sente demais. A minha respiração faz-se toda pelos poros que me preenchem. As tuas mãos em mim rebentam os meus aquedutos, a minha febre é um arrebate de paixão pela saliva de todos os teus dedos. Rebola-te em mim e os meus seios são atiçados pela tua flora. És dinamite ao longo da minha pele de selva que só é penetrada por ti. És só toque para mim, libertas a tua suavidade e a tua vida arisca suando sobre mim, tenho-te em perfume, onde vou cantas comigo.

O camarão e o linguado
“Bom dia meu camarão de barriga grande”. “Bom dia meu linguado rebelde”. “O que vamos fazer hoje, diz tu?” “Hoje vamos adivinhar a forma das nuvens e depois caminhar rumo a um castelo cheio de mouros, no fim o castelo é conquistado por nós. “Os mouros têm espadas muito afiadas.” “E nós temos palavras muito venenosas”. E foram para o meio de um campo qualquer cujo castelo já nem sequer tinha nome. O linguado no meio do xadrez foi ferido. O camarão foi até ele com quilos de ligadura e disse: fica aqui quietinho que eu ganho o jogo por nós dois”. E assim foi, o camarão tirou de dentro do bolso um canhão e rebentou com o inimigo.” O linguado mal podia acreditar que o seu camarão tinha feito evaporar um exército sozinho, o castelo agora era deles e só deles. Pintaram o castelo de cor de laranja e convidaram pirilampos para dar luz à noite, além disso fizeram crescer por todo o castelo ervas aromáticas que vendiam na feira medieval ali perto. Davam bailes memoráveis ao fim-de-semana, eram bailes de máscaras e eles vestiam-se de rosas como olhos de carapau.

O auricular e a combinação das letras
 
Aqueles que falam sozinhos na rua deviam pensar em usar auriculares e fingir que estão ao telefone com alguém. Na verdade não estão sós, anjos e outros seres de um mundo festivo (o bem faz o mal entrar em rotura de stock) ouvem as suas palavras que até podem dar origem a livros tal é a sabedoria do falatório. Eu falava italiano num falso auricular, era a única vez que podia vagabundear nesta língua de sonoridade primorosa. Depois passei para o alemão, mesmo sabendo poucas palavras falava frases inteiras, mais de metade das palavras eram uma qualquer língua que eu desconhecia, falava uma língua que era espinhosa e talvez quisesse dizer alguma coisa no meio dos espinhos. Gosto de escrever em português: quase todas as palavras me pertencem, novas palavras são sempre bem-vindas mas não gosto de usar palavras caras pois não sou excêntrica, apenas quero dizer aquilo que apanho da tropelia das letras que me cercam.

Contei ao Gabriel sobre ti

Disse ao Gabriel que estava apaixonada por ti e ele pôs as mãos à cabeça, disse-me cheio de certezas que tu eras maluco. Aproximei-me das asas dele e sussurrei: “mas eu também vejo cores que não existem”. O Gabriel sabe que sim e pensou mas não disse que as cores que tu e eu vemos inexistentes podem revolucionar as paisagens por escrever. “Já sabes o nome completo dele?” perguntou. Sabia sim, é um movimento à minha volta preto/azul, também sou azul e viajo pelos mares que ainda estão por descobrir para te dar a vida da rebentação das ondas solares. Tu viajas pela erva onde os caracóis de casca turquesa fazem as suas casas e sabes de cor as histórias fantásticas que eles contam, gostas de mas contar no meio de um sorriso. O Gabriel disse para finalizar: “fazem um par estranho mas têm tudo para dar certo pois ambos divertem-se a libertar as borboletas dos casulos antes de tempo e ensinam-lhes o primeiro voo quando elas são pequenas princesas, percebo a atração que têm um pelo outro: são feitos de uma teia de aranha que se procura emaranhar na iris para criar mundos novos”.