domingo, 20 de julho de 2008



(Matthew Woodson)
Ao n.

- tem ferida, tem? eu dou beijinho...
- é preciso é ter calma, onde é que aleijou?
- foi no braço, olhe-me bem para este esfolão... fez-me tropeçar cá de uma maneira
- deixa que eu ponho um penso... tropeçou muito? doeu? água oxigenada, tintura de iodo e beijinho...
- obrigado! desculpe aquilo de há pouco. irritei-a um bocadinho não foi? não é por mal, é que eu gosto dos seus beijinhos e de quando se dobra para me fazer os curativos... não é por mal, é por bem, não é? foi assim que começou, lembra-se... ó... não se lembra...
- dobrada para fazer os curativos a Valério, Fábia começou a limpar-lhe o joelho... o rapaz desequilibrou-se e cairam os dois redondos no chão
- esqueceu m... não esqueceu!
- Valério caiu sobre Fábia
- esta, atordoada, ficou a olhar para ele
- e ele, por sua vez, para ela
- estranhamente sentiu uma estranha atracção pelo rapaz
- sem saber exactamente aquilo que o esperava, que podia ser o pior, beijou-a suavemente
- ela seguiu o impulso do momento e retribuiu o beijo de Valério
- Valério esticou o braço e entreabriu mais a porta, sorrio a Fábia, sorrindo a Fábia
- Fábia sabia estar a entrar em território proibido. no entanto, aquele sorriso guloso era uma porta de entrada que não se podia fechar
- Valério continuou beijando-a, ora de forma ávida ora serena. Vendo que Fábia não deixou de o tomar de assalto pela possível entrada súbita de alguém naquela zona levantou-se, levantando-a. Falou-lhe ao ouvido, disse-lhe que a queria, noutro lugar. Era perigoso para ela...para eles.
- Fábia estava estarrecida com a forma fantástica de beijar de Valério... estava perdida naquele mundo fantástico quando ele a levantou...
- Era demasiado perigoso, ela sabia... ela queria-o demasiado... mas não ali...
- Valério disse a Fábia que ia sair primeiro. que ela o poderia encontrar um quarteirão à frente, em frente ao marco do correio... caso também o quisesse... que ele esperaria o tempo que fosse necessário..
- Fábia apenas acenou com a cabeça, estava ainda com a respiração ofegante...
- embora não tivesse tempo a perder... mas esperaria....o que fosse necessário
- Fábia estava cheia de relva, de terra, de folhas, de, de, de, de Valério... Não podia sair dali naquele estado...tentou acalmar-se...o coração estava aos sobressaltos...
- Valério olhava o relógio de 3 em 3 segundos, no sítio indicado, parecia-lhe que a cada 3 segundos passava mais uma eternidade.
- Saiu o mais calmamente possível, mas só queria voltar para os braços de Valério, estava a demorar uma eternidade...
- coçava a cabeça, mexia no pescoço, no nariz, fechava os olhos para alcançar os lábios de Fábia.
- Márcia apareceu do nada
- Mas logo os abria, porque a qualquer momento Fábia poderia chegar, e não havia minuto a perder.
- Disse-lhe que estava muito ruborizada, perguntou-lhe o que tinha andado a fazer... Fábia começou a ficar nervosa, queria, queria, queria Valério... Tinha corrido, tinha corrido para apanhar o autocarro, sim, e agora estava com pressa... Adeus Márcia... Começou a ver o marco do correio...
- Valério batia com a ponta do sapato no chão, depois com o calcanhar, olhava o fim da rua, depois o princípio. Fábia viria mesmo? Se sim, por onde viria. Ele queria vê-la assim que a rua começasse.
- Começou a andar mais rápido
- Valério viu Fábia e foi ao seu encontro, em passo apressado. Abraçou-a. Arranjou-lhe o cabelo... sorriu-lhe abertamente
- Fábia abraçou-o com muita força
- Ganda lata (arranjo-lhe o cabelo, que querido)
- de onde apareceu a Ganda lata?
- Apareceu
- :)
- era uma lata de uma cola novidade gigante
- Fábia fez-lhe um sorriso DOURADO INCANDESCENTE
- com o filho de Fábia que tinha aceitado aquele trabalho em troca de algum dinheiro
- PUM PUM, estás morto!!!
- Por alguma razão, Fábia e Valério de mãos dadas seguiram para o fim da rua sem que a Ganda Lata pudesse ter visto quem quer que fosse
- Por muitas razões, eles seguiram para o fim da rua
- Fábia só mais tarde se lembrou da Ganda Lata... razões que desconheciam ainda... naquela altura nada lhe ocorrera sequer
- Ganda lata entra na história quando eles discutem quem começou o quê
- pum pum estás morto saíu de um primeiro andar, possivelmente de uma televisão. Nem Fábia nem Valério ouviram, é figurante e carroça de suspense
- Era um filme proibido no antigamente
- não chega a haver desenlace, por aí
- saca da pistola
- é quase um elemento decorativo
- ahhaaha
- pum pum estás morto
- pois estou
- (se calhar era um dvd, riscado)
- e como já é amanhã, já estou viva, úúúúú!
O Chá

Hoje éramos 14 no chá dos meus avós. O mais novo, o meu primo, tem 3 anos. É escorpião como eu e é adorável como eu, como devem calcular, eh, eh, eh! A minha avó ficou toda feliz com tanta gente (apesar de faltarem alguns), especialmente ao ver o seu filho mais velho, o meu pai, que tem a mania de se armar em engraçadinho. Os genes são lixados… Descobri que há quatro disléxicos na família: o meu avô, o meu tio Tó Maria e o meu tio Chico, para além de mim. Os genes são lixados… São todos artistas e os dois primeiros escrevem bastante bem, portanto nem tudo está perdido. O chá estava excelente, a conversa igualmente, esta família tem classe… classe não… realeza… como diria o meu avô! Oh yeah!
Poema antigo:

Altitude

caminhar
numa grande altitude
a expansão do espaço
como um corpo aéreo
respirando diamantes
a camada inferior dos telhados
embebe-se na paisagem
a cada movimento
a luz espalha-se
os rumores perdem-se
as palavras atingem
o estado líquido
fluem livremente
nas mãos trémulas do coração
Há quem esconda esse branco de vazio feito de nódoas mordendo as entranhas e outros órgãos. Eu vomito-o. E não é devagar. Nem para a casa de banho vou a correr. Fico muito parada, como se estivesse à espera da e vomito. Mas não é tudo de uma vez. Vai sendo… Furiosa ânsia, aborrecimento letal… Vagueio, digo um “foda-se”, penso no passado, penso algures no futuro, nada tem sentido… Adio pensamentos importantes mas eles batem à porta. Acumulo-os, ponho-os a falar sozinhos, ao mesmo tempo, canso-me, enfadonho-me, tomo uma ou outra posição… Deixo-os a falar sozinhos, eles já sabem o que é que a casa gasta… Como qualquer coisa, fica a meio, fumo um cigarro, fica a um terço. Tenho uma montanha no peito, várias, que raio de vazio. E estas paredes brancas para onde estou a olhar há hora e meia, já podiam ser cercadas por uns quadros…
O sal das lágrimas era vazio e tinha aquele frio que o gelo tem quando não se consegue derreter. Sabe a vento que voa depressa demais até uma boca encher-se, encher-se e depois rebentar e saber a sangue, que se desmaia nas mãos. As lágrimas são demasiado embaciadas, compostas por trinta bocas gritando e por nomes que não aparecem no fundo da noite leprosa. Porque choras? Porque cá fora e cá dentro há campos de medo e correr as bocas não sabem…
Se o ouro fosse o verão de um jardim, eu seria a secreta viagem que cegaria todos os olhos para que uma tempestade de tempo solidificando-se me mostrasse o brilho que cantava a promessa desse tesouro.
Hoje, por volta das 10:00, aconteceu-me uma coisa muito esquisita, entrou-me um papagaio, daqueles verdes, pela janela do quarto e disse "o absurdo não existe, estás no caminho certo." As coisas que as pessoas ensinam aos papagaios. Se eu fosse mística e não estivesse num período niilista pensava num disparate qualquer transcendental. Mas sempre que pensei assim fodi-me, portanto... Viva o Absurdo, porque nada disto tem sentido! Vai-se vivendo, estando, qualquer coisa...


(Gustavo Fernandes, "The Point of no Return")
Na labareda dos teus olhos ardiam à nossa frente sonhos de viagens. A tua paixão era uma flor que dava a volta ao sol Esse flama apenas me acalentava deixando agora saudades em todas as direcções, nos caminhos que me movo, sentindo o fragor das tuas ondas em mim.
Na fogueira estavas ao meu lado, tudo serpenteava. Dei-te um olhar meu e eis um sorriso teu. Sabes que sou tímida como a água que se afasta da areia da praia, nessas ondas cristalinas. Não viste uma estrela viste no meu olhar, enquanto olhava para as janelas, devolvendo-te o calor nessa cor de vinho entornado no chão. Viste mais do que isso, não? Então convida-me agora para dançar…
A morte foi ao dia e disse “é dia de morte.” E lá foi. Carro funerário pronto. Perguntei ao rapaz se pintava os mortos e ele disse que sim, até gostava, dava-lhes vida. Vi uma pessoa morta no outro dia, nem chegou a um minuto, achei-a gorda, mais gorda e amarela. Depois fui olhar para os cavalos e soube mais tarde que ela fazia o mesmo, até fazia corridas com eles e ganhava muitas vezes. Apanhei umas pedras coloridas no cemitério, estavam a dar-me azar, passados uns dias deitei-as fora pela janela do meu 1º andar, atirei-as com toda a força. Como é com toda a força? Deve ser como se diz não à morte “não”. Tive de lhe dizer “não” muitas vezes, ela dizia “sim”, eu chorava, chorei muito, nunca ninguém compreenderá, há coisas só nossas. Por isso, agora, toco os outros… O meu chapéu foi levado por uma gaivota e eu sorri-lhe, pode ser que ela o saiba usar…
Não sentes esse barulho crescente, esse vento nascendo degraus de letreiros trocados, esse vento vertendo sílabas tapando suspiros de olhos indicando a perda das decisões e revisões à hora do café, que vai ficando gelado? Quando a respiração se consegue escapar não deixes que os fósseis troquem palavras e olhares, pois os batimentos das unhas gelam-se e podes ficar retido nas suas prisões familiares. Não aparece como uma pergunta, é um pedido... Diz-se que é um bandido, que vem quando o sol se põe e mal se vê a sua face, de pano enrolado, ele diz-te apenas: “queres aquilo que pediste?” Não podes vacilar…Do outro lado do jardim a planície acompanha os ramos d’ouro e de marés de calor que se espalham cheios pelo sopros dos dentes de leão voadores que começaste. As colinas sonham um sonho já começado que começou há muito, de cores douradas que a beira de água das estradas reflectem na tarde de sono breve cheia de quantos-queres, reclinada e abraçada sobre o que perdura dessa mão quente que aquece e vai aquecendo sempre. Floresce uma varanda que se estende e estende como se não soubesse fazer outra coisa nesse rosto sorridente de dentes mansos rosa e verdes deslizando na pulsação que se afunda nas palavras mexidas da areia fingindo fogo de libélulas que levam nos teus olhos as cores de todos os horizontes. Vai escamando a espessura dos peixes da terra febril dando em loucos os bichos que se encontram num festim desenhado a rigor nessa cor dos lilases, tulipas e malvas. Eis o teu querer, mais que do querer, vê bem, fala com a saliva giratória inundada do cheiro da laranjeira e do limoeiro que minhas mãos em fonte te abriram. Os nossos corpos colam porque de tão vestidos estamos, as roupas apenas cobrem em musgo como se o possível fosse ainda mais possível. Mas repara, estou nua demais para estar vestida, pés também descalços, arranquei as unhas e os cabelos e pêlos. Apenas se os teus olhos forem grandes, grandes como mil berlindes em comunhão poderás sentir esse vento nascendo degraus, esse beijo, esse toque que traz consigo a humidade, no calor que abrasa os corpos que dizes serem prazer. Onde é o meu lugar só há pássaros e os teus olhos sei reconhecê-los aqui ao longe na padaria, no meio da correria dos cavalos, os teus olhos olho-os sempre de frente, como se de céu fossem fundindo-se com os meus e se me tocas já te toquei. O que vês é de olhos abertos sempre e o desejo não é mais do que um voo sem destino que vai eclodir. As colinas são o interior de algo que não sabes onde fica porque já perdes-te ou perdemos o lugar, respiramos apenas as nossas pupilas, papoilas, de deslumbramento como de vazio se pode falar tantas vezes?


(Wayne Thiebaud, "Girl with Ice Cream Cone")
Em matos perdidos quando virei as esquinas
Simplesmente não me enganei ao ver-te
Dei voltas indefinidas
Fosse sol, fosse palavra, fosse até dia

Em toda a parte é existência
Não há permanência
Porque adormeço e não senti o teu odor

Interrompo o meu pensamento
Para no silêncio olhar o que não olhei
No passado que ainda não passou
Engano esse na tua direcção
Onde está a saída para o rebordo das nuvens?

Não errei quando te olhei pela janela
E te chamei como se chamam os gatos
Debruçando-me sobre as reentrâncias dos teus olhos
Relâmpagos visionários da noite

Explicações banais são um espreitar
Insectos moribundos que jazem nas janelas
Dos outros, desses que não sabem ser ramos despidos
Quando há ausência no horizonte
Tão-somente horizonte, quão banal é?
Hoje há uma estranha humidade no ar, pensou António. Era necessária, no meio de mais uma casa, que não era sua, nenhuma delas tinha sua, isso provocava-lhe uma estranha insegurança, mas simultaneamente uma estranha liberdade. Podia partir com uma pequena mala, ele, António, o medroso dos medrosos dizendo: “vou para uma dessas casas onde recebem sem abrigos, gente com problema graves e fico lá, sempre me dão alimentação e cama lavada. Depois vou deambular pela cidade e pensar sobre as pessoas, acho que tenho jeito para isso. Pedir trocos, cravar cigarros, vender a ‘Cais’ e logo se vê.” António foi ter ao mesmo pensamento “sempre quis ter uma casa minha e nunca tive, de uma maneira ou de outra eram sempre de outras pessoas, nunca tive nada meu a não ser o meu cérebro que de uma forma ou de outra sempre quiseram controlá-lo porque nunca perceberam quem eu era.” António continuou, sentia-se, já há algum tempo a pessoa mais só do mundo porque era difícil de compreendê-lo, mas também poucos eram os esforços, o que interessava era que ele se “comporta-se segundo as normas, define-se um rumo para a sua vida.” António claramente mostrava um certo dom para a escrita e a partir de certa altura percebeu que seria esse o seu caminho e que esse seria um caminho simultaneamente prazeroso e penoso, muito trabalhoso. António estava confuso: “como se faz?” António tinha qualidades, determinação e capacidade de trabalho. Pensava que iriam ajudá-lo. Iria começar devagar, sem pôr a carroça à frente dos bois. António iria, no futuro, querer escrever um romance, mas iria fazer as coisas com calma. Falou com Oriana. Ela sorriu, disse apenas: “claro que sim António”.


(Fragonard, "The charming and intimate")
Com um beijo da tua boca
2 carícias te faria
3 abraços que demostram
4 vezes a minha alegria
e na 5ª sinfonia
do meu 6º pensamento
7 te vezes te diria
8 letras de "I love you"
9 vezes por ti morria
10 vezes por ti vivia

11 vezes te diria, basta respirares o teu olhar no meu...
12 vezes observo todo o que é navegável tocando todas as paisagens, procurando o teu olhar, imagem de um sonho que pareces ser...
13 vezes e mais umas quantas disse-te uma palavra começada por amor, aberta em esperança, aquela que libertei na expressão da vida!
14 vezes a ternura rebentando em todas as flores!
15 bagas da minha boca na direcção da tua, doces, doces bagas...
16 pomares, 17 ramos, 18 frutos, 19 flores fizeste crescer no meu dia...

(Primeira parte Mário, segunda Sara)
Marcelino brincas com a verdade e ela dá-te a travessia para o outro lado, trocas as palavras, mudas as vozes, inventas personagens. Marcelino, os teus dedos vão trocando as peles e elas têm a sua veracidade, danças com a mudança das penas das aves e no meio dessas histórias de tanto as contares consegues acreditar, porque a imaginação é assim, um novelo sem fim, rolando, sempre a rolar como os barcos num lago de peixes dourados, e tu Marcelino até juras que são prateados.