domingo, 14 de dezembro de 2008


("Bloody Sunday", Derry, 30 de Janeiro de 1972)
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Neste dia o 1° Batalhão do Regimento de Paraquedistas do exército britânico dissolveu uma manifestação pacífica a favor dos Direitos Civis e contra o governo da Irlanda do Norte. Vinte e seis pessoas foram feridas. Treze delas morreram naquele dia, sendo que seis eram menores. Uma outra faleceu meses depois, em consequência dos ferimentos que recebera. Todas estavam desarmadas e cinco delas foram alvejadas pelas costas.
Os manifestantes protestavam contra a política do governo irlandês de prender sumariamente pessoas suspeitas de actos terroristas. Essa política era dirigida contra o Exército Republicano Irlandês, o IRA, uma organização clandestina que lutava pela separação da Irlanda do Norte e posterior união com a República da Irlanda. Após o "Domingo Sangrento", o IRA ganhou um número enorme de jovens voluntários, acabando por fomentar um ciclo de 25 anos de violência, perpetuado por ambas as partes. Questões de índole religiosa, que na verdade estão intimamente relacionadas com a incapacidade das partes envolvidas em aceitar as suas diferenças e viver pacificamente com elas, fizeram com que estivessem sempre voltadas de costas uma para a outra. De um lado, uma fazia tudo para não abrir mão do "seu" território, enquanto a outra parte lutava por deixar de ser subordinada ao invasor. É importante relembrar que a Irlanda do Norte foi ocupada pelos britânicos no início do século XIX.
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Actualmente nos cinemas:
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Título: Fome
De: Steve McQueen
Sinopse: Prisão de Maze, Belfast, Irlanda do Norte, 1981. Bobby Sands é um activista do IRA que começa uma greve de fome contra o tratamento cruel que dão aos prisioneiros. Sands, que morreria pouco tempo depois, vítima de ataque cardíaco, tenta conseguir para os activistas do IRA o estatuto de presos políticos e acaba por se transformar num símbolo da luta armada do grupo.
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Porque o terrorismo
de uma parte é normalmente alimentado pelo terrorismo da outra.
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Processo de Paz na Irlanda do Norte:
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Com o Acordo de Belfast em 1998, onde participaram todos os interessados, foi possível chegar-se a um acordo e convencer o IRA a entregar as armas.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Sunday Bloody Sunday

Demasiado sangue nas minhas mãos que tu seguravas na mesa do bar onde tinha entrado com todo o corpo a tremer. Conhecias a luta dos meus passos e o teu toque foi como um abraço. À medida que me retorcia em dores sentia a esperança do teu calor. Mas tinha o corpo carregado de balas e a morte nos olhos. Dizias que me ias salvar, eu ria-me, bebia copos de cerveja atrás de copos cerveja: “não vês que eu já a tenho cá dentro?” O sangue era um rio que jorrava por ti, um rio que nunca secava em ti. Tu salvavas-me, salvas-me à pressa, seguravas o meu mergulho para a morte mas não se salva tantas pessoas da morte ao mesmo tempo.

Uma arma apontada
A pontaria vem direita a mim
Um dia escuro sem palavras, sem pessoas
As suas vozes morreram antes de mim
Um longo rastilho de um ser espezinhado
Que nunca mais deixou de rastejar
Nunca mais se chamou o mesmo
Com as entranhas a arrastarem-se no esterco
Do mundo que agora é uma atrocidade
Contra o meu ser
Uma arma apontada
Quem vai puxar o gatilho?
Serei eu
Mas agradeço a vossa ajuda

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008


(Sentadas rente ao chão)
- Só há noites porcas que vejo das janelas por onde salto todos os dias para te encontrar e te dizer que estou contigo a um milímetro da tua dor, mas nunca nos podemos tocar porque dentro da amizade no meio da sujidade há sempre gente corrompida que nos quer comprar para nos esfregar no chão azedo das beatas e das escarretas. - Digo-te olá, já ao fim de uma longa noite, sabes que há um cheiro a podre que invade tudo, mas ainda há em mim para ti um certo brilho de luz de verdade que diz que a perdição não nos afoga por completo. Ao completar esta frase rio-me porque sei que é a maior mentira que já disse. Vieste aqui porque a tua solidão é igual à minha e magoa tanto que sangras ainda mais do que eu. - Hoje não tenho nada para enrolar as tuas feridas, desculpa amiga, tenho gelo nos olhos porque está tudo demasiado negro. Segura os braços com força, estás a sujar o chão tudo e daqui a pouco levamos ainda mais porrada se nos encontraram neste estado, duas tipas sozinhas, miseráveis, com uma placa na testa que não vemos: maltratem-nos.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Isto por aqui é assim:

Os relógios continuam a bater as horas e quando param há mãos que surpreendemente fazem com que eles batam de novo, mãos que reconheço minhas, pois apenas minhas mãos são.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Talvez as luzes de Natal me pudessem deixar menos reflexiva. Está tudo enovelado, um mundo que anda ao sabor das curvas acidentadas dos passeios que piso nas ruas sujas por lamas daqui e dali. E eu? Caminho, por vezes... Menos reflexiva, dizia... Pois bem, olho para as luzes e elas são tão opacas que pouco ou nada me inspiram. Muito menos confiança. São tranças luzindo o que os humanos não conseguem ser ou fazer... Talvez ser uma traça, talvez pudesse ser menos reflexiva sendo uma traça comendo o alimento do Natal, devorando as roupas ainda quentes pois a carência é também uma necessidade. No fundo, o meu caminho de traçado pouco tem.

Carpinteira


(Sam Wang, "Dead Bird")

Há tantos desertos
Percorro-os dentro e fora
Um esforço em ferida que me deixa sem pele
Repetindo-se no chão soturno
Que vai à minha frente
Criança sem olhos sou
De relento em relento
Nunca consegui ser o ser
Ouve-me, porque nunca falo
Mais do que os mil livros que gritei
Nas areias dos desertos que conheci
Ouve-me e leva-me palavras
Porque nunca conheci
Uma solidão tão grande dentro de mim

Sara
Choro todos os dias pela minha menina, o meu coração está despedaçado sem ti ao pé de mim... Os meus dias são sempre escuros e solitários e nunca houve Inverno tão frio como este...sem ti. Como estás, sem mim, nesse país quente, cheio de novidades, pessoas que tropeçam na tua vida, cheias de algo que tu não conheces e tens a curiosidade de querer saber? Como estão esses aromas, esses sabores de África, só sua, que agora possuís, e ardem dentro de ti? Conta-me, conta-me, porque aqui só há camadas de roupa por cima de camadas de roupa e pessoas rezando para que faça menos frio. Invejo-te quando te imagino de sandálias pisando uma qualquer areia que desconheço mergulhando nesse mar quente e rindo-te, esse riso que tão bem conheço, esse riso que digo ser meu, como se pudesses ser minha assim, as duas deitadas num pano chamado toalha, o céu brilhando em cima, os olhares brincando com a energia do sexo em baixo. Conta-me com quem estás agora, quem te toca, em vez de mim? Quero saber, não para me doer, mas porque sempre foi assim... Ver-te feliz nessas paisagens que filmas constantemente com os olhos rebeldes, com essa força imparável que sempre amei em ti. Foi sempre o que quis para ti... Mas diz-me amor, quem te toca aí? Porque se ninguém o faz, fá-lo-ei pelas vezes de quem o deveria fazer a ti...

Da Sofia para a Inia

terça-feira, 18 de novembro de 2008



(Sudão: Abutre esperando que a criança morra)

As mãos nunca param de tremer
Milhares pés atravessam o som da lama
Metade afoga-se e os outros nem choram
Se tens fome come os braços
O abismo é um pouco mais à frente
Tenho uma boneca sentada ao colo
Falta-lhe metade da cabeça ardida
Falta-lhe o peito, um buraco
Do tamanho de dois dedos
Milhares de pés enterram-se
E tu pegas em mais armas em nome…

(Todos)
O mundo, mais valia a pena rebentar com ele. Tu que marcas passo com a visão colada
à televisão, vendo de olhos vendados. Tu que andas na rua e cospes sobre os que de tão visíveis são aos teus olhos invisíveis parecem.
Dizem que é a crise, dizem que afecta todos… Ainda ontem vi o Ritz lotado. Dá-me uma esmola, só quero comer, não passar um Inverno tão frio, tenho filhos… “Vai trabalhar preguiçoso, como toda a gente” Dá-me um trabalho, estou há um ano a procurar…
Tu que olhas de cima e te julgas mais e mais, apenas és mais uma ratazana que ajuda o mundo a rebentar.

Todos

quarta-feira, 29 de outubro de 2008


(Vincent Van Gogh, "Campo de Trigo com Ciprestes")
O nome das pétalas que me ofereces
Quando sentada na brevidade da casa
Com o cheiro das manhãs que penetram os sonhos
Na elevação da pele em degraus consecutivos
Os nossos olhares furtviss
Como raposas nas suas mansões de luares crescentes
As carroças sempre em fremte
Sempre me dissete que virias
Talvez nesta tarde de mar quando já caem as maças
Vê como esta vindima que nasce nos nossos pés
Dilui-se nas veias que esperam já
Por essa viagem de cidades secretas e museus redescobertos
Há fósforos que se acendem como por magia
Nas noites que se antevêm já frias
Há aventuras que as teias preparam sem nos indicarem o caminho
Páginas que reluzem palavras redondas cheias de formosura
O encanto dessa visão que segura o nosso rosto
A permanência do amor nestes braços adentro
Os incêndios que rodeiam os sons vertiginosos das paisagens
Ouve-as dentro de ti - em mim
Vamos por este campo de milho de ciprestes vasto
Quanto as cores que se erguem pelas moradas
Das quais somos eternos habitantes
Planetas que puxam o sabor dos frutos que trazemos connosco
Numa mesa de um café repousados entre duas chávenas de poemas
Que atravessam as ruas e misturam-se com os pés
De quem corre, de quem corre veloz
Um verso escapa-se e voa só pelo céu
De volta à casa a porta estava entreaberta
E o jardim estava em cima do vento do mar
Nos rochedos a sensação era de sermos uma embarcação
O mar apenas amar
Sorrindo-te disse-te que havia uma janela
Onde me recolhia no burbolhinho do azul
Diz-me o nome do bater das ondas nos rochedos e eu entro mar adentro contigo

Sofia Sara

segunda-feira, 29 de setembro de 2008


(Jumeaux, "Cubik eye balls")
Tudo o que tenho são restos
Do que era uma vez
Para trás uma distância criou-se
A cerca do jardim envelheceu
Com o passar dos anos
Os sonhos são um dissabor agora
Tudo o que tenho
Cabe numa pequena mala
E transporto-a na cidade
Em que me desiludi
Tantas fronteiras cresceram
Que tudo o que tenho
É o que sobra do que
Um dia foram os nossos risos abertos

domingo, 28 de setembro de 2008

A perda é sempre uma ameaça
Porque o ciclo do labirinto
Em que por vezes nos encerramos
Abre-se uma e outra vez
E o grito é igual a ontem
No sufoco que mal respira
O olhar desce com a mesma prostração
Aquela em que gelámos
Nas gaiolas sem portas
Quando estávamos enterrados
Na estagnação da vida
A perda pode repetir-se sempre
Pode secar novamente os rios
De um coração aceso
Pássaros da sabedoria
Num dia crescendo quente
Perseguem juntos o futuro
Sentindo esse despertar
Na sua mais íntima existência
A visão da beleza
Na voz das flores
No brilho dos bosques
Sem começo nem fim


(Gabriel)

Gabriel, por mim me levanto, com a força que tenho, quando caio sei que a tua presença me ajuda. És aquele que comigo está sempre, és aquele que me fala com as asas cobrindo o meu ser.

Na memória dos gestos
Encontra-se o ondular das folhas
Bebendo os frutos maduros
Cruzando-se com a essência
Do que somos
Disseste-me que tudo era esperança
Reaproximarmo-nos novamente do mundo
Desvendando os seus sentidos
Tocas-me com os olhos da compaixão
Tu que conheces a magia dos sonhos

À minha Avó Ivone
as penas esvoaçantes outrora
esticavam-se no ar libertas
como se não tivessem peso algum
no entanto a respiração parou
e há demasiada fraqueza
para plantar sementes
na terra endurecida
lembro-me de ser criança
em pleno voo
e o verde encadear-me os olhos
agora mergulho na areia funda
sem saber caminhar

(Peter Forward, "The Fear")

sábado, 27 de setembro de 2008

essa espécie de volúpia
enquanto vou caminhando pelo teu corpo
o meu desejo na boca do teu desejo
acordas dentro de mim
todos os dias com querer
és mais doce do que as framboesas
essa doçura que se derrete
na profundidade da pele
ter-te enrolado nos meus braços
é como estar mergulhada em veludo
um céu enamorado cintilando o sonho
uma paixão infinda que liberta
a sua respiração impetuosa
que somos nós dois
nesta aventura encantada
pelos movimentos que unem
o calor dos nossos peitos
Som...som....sim, estou a ouvir...algo parecido com uma caneta escrevendo profundamente...
Este campo que alcança
Qualquer olhar de perto ou de longe
Ressuscitando a juventude
O sabor da liberdade
Está em mim porque te espero
Junto de um laranjeira
Preciosa árvore colorindo a paisagem
Seus frutos lembrando o teu sabor
Neste mundo tudo é movimento
Os pássaros parecem correr
Nos seus voos e a água do riacho
Está irrequieta mas cristalina
Espero-te com uma intensidade dourada
Soltando-se sobre a minha face
Como se viesses ao me encontro
Sendo o próprio sol

sexta-feira, 26 de setembro de 2008


(Andrew Stock, "Arctic Skua")
verde mar claro
bem perto de mim
consigo sentir-te
molha-me os pés devagar
com as tuas ondas
de doçura rebentando lentas
enquanto escuto de olhos semicerrados
esse som só teu que me encanta
mar claro verde
alcança o meu coração
oiço já o seu despertar
alimentado pelo baloiçar
meigo das tuas ondas
claro verde mar
agora libertando-me de todo
o que me rodeia
dentro de ti vou entrar
Língua-Mar

A língua em que navego, marinheiro,
na proa das vogais e consoantes,
é a que me chega em ondas incessantes
à praia deste poema aventureiro.
É a língua portuguesa, a que primeiro
transpôs o abismo e as dores velejantes,
no mistério das águas mais distantes,
e que agora me banha por inteiro.
Língua de sol, espuma e maresia,
que a nau dos sonhadores-navegantes
atravessa a caminho dos instantes,
cruzando o Bojador de cada dia.
Ó língua-mar , viajando em todos nós.
No teu sal, singra errante a minha voz.


Adriano Espínola - Nasceu em Fortaleza em 1952. Professor de Literatura Brasileira na Universidade Federal do Ceará e professor-leitor na Université Stendhal-Grenoble III (1989-91). Autor de vários livros de poesia e de antologias em português e em inglês.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

O dia enche-se
Deste estranho sonho
Sonhadora sigo-o
Com pedaços de céu ao peito
Sou o encanto que a vida transpira
Há uma leve carícia
Em forma de saudade
Que sinto viajar pelos lugares
Há flores crescendo nos canteiros
Que parecem abraços
Enternecendo os meus olhos
Talvez sejas tu florindo em mim

domingo, 21 de setembro de 2008

se pudesse
pegar-te na mão
o tempo recuar
como uma fogueira
ardendo totalmente
poder ser
num sítio diferente
com casas espalhadas pelos vales
o corpo ser luz
libertando asas de borboleta
se não tivesse sido apanhada
pela guerra que encerra os sonhos
um abraço buscava apenas
com esperança de dias
mais verdadeiros

(Loving Embrace - Magnolia Blooms)
na luz dos teus dias
desejo continuar
a minha canção libertar
palavras formosas as tuas
em que me fui enamorar
o meu caminho já em ti
recebe o abraço mais íntimo
da estrela mais alta
de que me falaste
convido-te a subires
sente como estamos abrigados
pois juntos abrem-se em flor
os nossos corações

Sara
musa que todo o meu ser
parece encantar
escuto a tua bela canção
e os teus versos quero partilhar
és quem eleva o mundo
à estrela mais alta
fazendo o seu orvalho
crescer no meu coração
na nossa escalada juntos
poderíamos ser
todos os dias que se abrem
anunciando a respiração
do amor como o simples
canto das aves

Jaime

(Markus Lüpertz, "Nach Marées")

sábado, 20 de setembro de 2008

quem sabe
se era o dia certo
aquela manhã
de um silêncio absurdo
uma ferocidade no ar
porque caíram os ninhos das árvores
porque tudo se afazia a assustar
ficar parada, tentar respirar
quando o cansaço dos dias
parecia quase atropelar
calando quem entoa
as canções de beleza que pairavam pelo ar
a respiração a resfolegar de novo
como quem atira pedras
as frases erradas sem data
a contagem das perspectivas
a cabeça não pára
de guardar os momentos
das viagens que ficaram para trás
dos passos que nunca dei
em todo o lado nada dialoga
escuto o que talvez possa
ainda escutar: o som do vento
subindo sem certeza e razão
Há um disfarce
Esse jogo que fazes contigo
Nessa cegueira de olhos abertos
Numa rua de pessoas
Que apenas seguem os seus caminhos
Penas por vezes por serem pessoas
Pois o teu tom é de desprezo
Talvez o teu olhar mande no mundo
Mas respiras o som de qualquer moribundo
Despejando os teus dias na inutilidade
Gostas de te expandir
Talvez te apaixones pelo sorriso
De uma criança num berço
Mas cá dentro cai o casaco
E está demasiado frio
Não consegues copiar
A suposta arte do exterior
Sentaste no sofá
Enquanto tudo parece desabar
Mas sim há a máscara
Vais a tempo de compô-la
E volta tudo ao seu lugar

(Darocha)
Esse baralho enovelado
De cores incendiadas
Não se desfaz
Porque faz parte de um só
E joga a uma mão
Surge com avanço
Retrai-se por vezes
Mas nunca abandona o jogo
A canção que ouves
É a sua proa ondulando
Os lugares perdidos do mundo
Os encontros prometidos
Um segundo de vida
Talvez mergulhasses
Num saber ilimitado
Numa corrente de peixes rápida
Arrastando-te para o interior
Surpreso das conchas
Um segundo de respiração
Talvez a voz a passasse
A mão pelo mundo
Sentindo o calor
Das paisagens aromatizadas
Ao longo dos continentes

(Cruzeiro Seixas)
É agora já que a tua voz
Fala mais alto
E eu serei o que pensas ser
Nessa água fingirei entrar
Sem medo do que possa acontecer
Pensarás que terei cumprido
Essa espécie de dever
Mas tudo continuará como dantes
E um belo esboçar de sorriso irás ver

Celeste
os carros negros
atravessam os vales
da eterna angústia
jovens deusas em estrela
sentem em seus corações
a melancolia do fim
este voo é frio
cobrindo-se da noite
murcha o rosto
que perdeu a face
cuja tristeza derradeira
perdeu as palavras
desfazendo-se
na própria morte

Ian


(Queimadela)

João, sentir-te é como ter as flores todas respirando sobre mim. A nossa viagem pulsa ainda aqui dentro e os meus lábios são uma labareda constante, como se ainda estivessem colados aos teus. O sangue corre recriando a própria vida, não há qualquer distância entre nós dizem-me as estrelas.

Sofia

Levaste-me com todos os teus pássaros a percorrer essa viagem azul que só tu conheces. Uma canção que entrou no meu corpo e no teu abraço ardente deixou-o fora do tempo. Procurei-te em todos os lugares e no decorrer da intimidade de uma viagem fui encontrar-te.

João Vale

A tua sensualidade é um vendaval na minha pele como se todas as minhas pétalas rebentassem de repente numa Primavera. As mãos percorrem o resplendor do teu corpo reacendendo fogos antigos. Sentir a tua exaltação aumentar, enquanto em mim cresce o desejo que inunda todos os sentidos e o meu corpo embriaga-se no teu.

Sofia

Parece um sonho quando deslumbro a nudez do teu corpo em ondas que me arrebatam. Os meus gestos iluminam toda a tua beleza, essa paisagem perdida que só tu mesma és. O meu peito fala a descoberta de uma nova voz, enredado pelo teu cântico. A terra é agora imensa e soa à música dos corpos sonhando todos os horizontes.

João Vale

(António Domingues)

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Take me to the places where nobody knows
If it is night or day

(Oasis)
João, se fôssemos os dois juntos dar um passeio pelos campos abertos da nossa cidade com a nossa grandeza espelhando-se nos céus, namorando os pássaros? Se a nossa sabedoria em comunhão fosse cristal de mil cores brilharia em qualquer olhar. João, vem comigo, juntos seremos mais reais.

Sofia

Sofia, o teu passeio são borboletas que chamam incessantes por mim. Quero soltar-me e ir de olhos fechados dentro de ti. O que se espelha nos céus são as nossas vontades de criar o magnífico. Mil cores brilham já porque sinto-as florindo pelos campos abertos da nossa cidade.

João Vale, um passeio vale muito

(Andrey Remnev)
Se a maça cresce ao de leve
A terra está húmida
Na sua extensão festiva
Levantas-te como se ergue
A presença da paisagem
Ao longo dos sentidos
A tua própria mão
Afaga-te a dor
A chama outrora
Apagada dentro de ti
Reacende-se novamente
Norteada pelo teu florir

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Sempre fui vista como estando um pouco fora das normas, ao longo do meu crescimento isso piorou. Encontrei na arte uma forma de explorar o meu eu mais íntimo e não me importei minimamente se era compreendida, apesar de partilhá-la com os outros. Tive problemas psicológicos na minha vida que levaram muitas pessoas a afastarem-se de mim, precisamente por causa da ideia de loucura, em vez de se aproximarem. A liberdade significa tudo para mim e não irei mudar os meus princípios básicos por imposições da sociedade. Se isso é ser louca, então eu sou louca, tal como muitos.

"Loucos são aqueles que me chamam louca por não terem inteligência suficiente para a minha loucura."

(Karl Schmidt-Rottluff, "Young woman with pigtails")
Caro Jaime, anote desde já que não vai ficar em controlo da situação, se a menina Sara se deixa cair nas suas armadilhas emocionais é porque ela sempre foi uma rapariga dada a essas coisas. Eu, pelo contrário, possuo o poder da racionalidade e estou acima dessas tentativas de manipulação emocional.

Sofia
Jack faltam-te as palavras para explicares o que a pele sente, repeles os sentimentos e vives num mundo que quer estar preso à descida dos passos e se esconde de si mesmo. Por vezes a paixão salta-te dos poros mas tu tapa-la como se as pálpebras se erodissem. Sonhas com o mundo interligado entre os seres, no entanto falhas vivendo apenas na tua cabeça fora das janelas e das ruas.

(Oskar Kokoschka, "The Ship")
O amor que se ergue
No canto de um riacho
Correndo para além das margens
Transbordando tudo
Ao seu redor
Eu senti-te vir até mim
Pela água translúcida
Sentaste-te nas minhas pernas
Como fossem parte do rio
Esse amor que corre
Connosco num barco
De mil remos

Jaime

domingo, 14 de setembro de 2008

ao sabor da tua canção
colhi as macieiras
que se estendiam pelos
teus acordes esvoaçantes
algures no despontar do dia
dei-te água com as mãos
eras o reflexo do sol
que se confundia
com os sabores
dos nossos beijos
os pássaros soltos nos arbustos
despiam a nossa pele
fresca da manhã
os nossos olhos desapareciam
um no outro
num abraço dentro
da fonte da vida

João Vale, o que vale vale

(António Veronese)

Jaime, o teu sonho de amor é a maior das loucuras porque de tanto apertar o coração ele rebentou. Sempre me quiseste levar para as altas montanhas onde posso fechar os olhos e continuar a ver a estrelas mas esse ideal morreu no meu peito. Pedra atrás de pedra fui caindo nessa ilusão e restou a solidão das noites tristes e um coração esvaziando-se aos poucos. Estou longe do brilho das estrelas, não consigo crer nas promessas que as tuas palavras me vão trazendo. O poema que há em mim não acompanha mais a tua canção de amor. Não me respondas Jaime, a tua resposta iria magoar-me mais.

Sara
Caos é o meu nome
Vivo a explodir rochedos
A acelerar o tempo
Como um furacão irado
Sou uma corrosão
Que entra pelos sentidos
E derrete-os sem misericórdia
Tremo os céus
Tal é a minha intensidade
Ferozmente se atiça
A qualquer momento
Sempre sem medo na sua revolta
Ganhando uma soberba exaltação
Caos sem rosto que cala
Qualquer monstro
Que no meu caminho aviste
Destroço-o impiedosamente
Arrasando-o até ao seu desfecho final

(Tamara de Lempicka, "The musician", 1929)
Mulheres vos tornaram
Ao longo dos tempos
Servas e donzelas
Vossas vozes vos calaram sempre
Escondidas durante séculos
À submissão dos homens
Espectros de vós mesmas
Clamando pelo Vosso Ser
Lutaram por se libertar
Combate sem igual
Tornadas heroínas
Nunca baixaram as vozes
Se agora o céu é mais azul
Para todas nós
É graças a quem incendiou
As sombras da nossa opressão

(Miss Clara Helm and student)
Sombras atrás de sombras viajavam no meu olhar. Eu era a própria perdição, enterrada no inferno, os vermes escondiam-se em cada gesto, já não havia uma única canção. Reduzida à minha ilha de solidão, no meu lado só permaneciam raízes rios e secos. Eu ouvia o barulho do frio no corpo e as suas tentativas de respiração. A palavra desesperança estava constantemente colada ao meu tempo de cansaço sempre escurecido enquanto a poeira ia pousando sobre mim.

Beatriz

Na minha imaginação te refugiaste porque eu te estendi as mãos. Ofereci-te a fantasia no meio da tempestade, cores no seio das sombras que eram os teus fantasmas. A viagem da poesia nunca te largou e foram os teus frutos no teu mais alto céu. Disse-te que havia magia nos lugares onde vias espinhos com os teus olhos ardendo lágrimas. Sei que pegaste nas tuas palavras e inventaste um novo mundo, libertando-te da desesperança, voltando a acreditar no sonho.

Bernardo

(Alicia Thibaut, "Calidoscopicos Suenapeces")
O meu medo sempre me prendeu as mãos porque tudo me prende os sentidos. Este abandono no meio de um descampado, rodeado de escuridão, onde nunca encontro a saída, onde nunca me espera ninguém. Dias cinzentos que cobrem o horizonte com promessas de desgraça, penso sempre em emboscadas quando o dia nasce nas cidades.

António

O medo é só um caminho que nos faz tropeçar, mas tu António consegues abrir os teus sentidos ao respirares o mundo que desabrocha perante ti, que não é feito de escuridão, mas transporta luz até ti e verás extensos campos onde encontrarás gente amistosa. Nem todos os dias são cinzentos, só aqueles que trazem chuva à terra e as promessas que tu esperas és tu que irás fazer crescer. Eu estarei aqui António com as minhas asas e segurar-te-ei no teu caminho, não terás obstáculos e seguirás o brilho dos teus olhos.

Oriana
Chamei-te sim
Durante aqueles dias
Em que não conseguia voar
De joelhos esfacelando
Pelo chão morto
Chamei-te no medo
Que sentia em ver-me
Moribunda e só
Quis que viesses
Que as tuas palavras
Me aquecessem
Assim o meu mundo
Não seria um abismo tão fundo

(Dragonflies)
Quando o baile estava cheio, diz-me tu o que procuravas, nesses olhares cheios como as luas, mochos nas noite aberta? Procuravas um rapaz Lisa, outro e mais outro, um copo de sangria seguido de outro, o inebrio de tudo o que te rodeava. Falavas como se o mundo fosse o teu reino e espelhavas o teu charme por onde passavas. Um desses rapazes conquistaste, uma noite com ele passaste. Um brilho surgiu no teu olhar. Mas tudo acabou de manhã quando ele não era o rapaz, quando a noite não tinha sido assim tão bela e ele se foi embora. Lisa, o vazio instalou-se de novo, mas recomeçarás de novo a tua odisseia.

Estava uma noite de lua cheia e Alexandre não conseguia dormir quando viu uma bela rapariga a chorar. Já a tinha visto diversas vezes, ela andava sempre com uma cara tristonha. Foi ter com ela e perguntou-lhe o que se passava. Ela respondeu um seco “nada”. Ele disse que tinha um poema que tinha acabado de escrever e que podia dizer-lhe:

Chamei-te sim
Em todas as noites
Em que não dormi
Chamei-te como se pudesses
Ser um pássaro e as tuas asas
Me adormecessem quentes
Chamei-te para bebermos
De todas as fontes
E corremos todos os campos
Como se fossemos a alegria
Esticando-se dentro de todo o corpo
E o nosso abraço fosse eterno
De encontro ao céu
Subiríamos de peito aberto
E nada ao pé de ti seria deserto

Lisa ficou maravilhada com o poema, este rapaz não tinha nada a ver com os outros que ela já tinha conhecido, disse-lhe que se chamava Lisa e ele sorrindo disse-lhe o seu nome. Ficaram a conversar a noite quase toda.
Não quero o meu
Coração de volta
Dói-me demasiado
Acima das árvores
Distancio-me
Nem dentro nem fora
De mim mesma
Há beleza nem fragrâncias
Coração de respiração
Sem falta de ar
Como podes
Acompanhar a minha voz
Quando tudo o que dizes
Desaparece e restam
Palavras sem afecto
Junto dos meus pés

(Paul Cézanne, "The Bay from L'Estaque")

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Não podes morrer
Porque és demasiado grandioso
Estás acima de muitos
Pertences àqueles que não se curvam
E são os mergulhares do mundo
Dizes as formas das cousas
Abrindo as janelas dos saberes
A qualquer gente
A tua compaixão e crença
No ser humano são virtudes
De um mundo mais justo
Não podes morrer
És um homem que dá rumo
À vida de outros com a tua luz

Ao Zé Manel

(Edward Burra, "Balcony")
Eu só falo esta língua
Porque é quem eu sou
Ela acompanha todos
Os meus passos
O que os meus olhos desvendam
Todas as alegrias e tristezas
Encontram faróis na poesia
Ela gira o mundo

À minha volta inquieta
Cheia de magia
Esta é a minha linguagem
Ela é todo o meu universo
Crescendo do fundo de mim
Andas pelos caminhos
Crescendo nos teus pés
Aquilo que sentes é o alvoroço
Do teu corpo a acordar
Como se a vida quisesse
Cavalgar os montes
Da penumbra abre-se
Um dia radiante
Os obstáculos são apenas
Silvas a evitar
Tu és valioso como um melro
Que chia e faz sorrir as gentes
Não há frio que te afugente
Porque és quente
E o fundo dos teus olhos é meigo
A tua realidade é um voo
Sempre mais além
Queres perseguir o mundo inteiro
Mostrar o teu canto
Como uma centelha acesa
A vida em ti é uma fonte
De faróis que nunca perdem
O seu brilho

(Margarida Cêpeda, "Leves são os pássaros")
Se apanhares um pássaro
Com as mãos que exaltam
As colheitas de cores abertas
Guarda-o no peito seguro
Ele criar-te-à um ninho
No seu belo interior
Chama por outros pássaros
Serão sua companhia
Cantaram todo o dia
Não percebes o que digo
Não sabes que estas palavras
São a minha fala
Aqui há um coração
Que bate nas mãos
Entra como fogo pelos
Meus olhos adentro
O corpo é um relâmpago
Sente tempestades
Música de compasso acelerado
Bebo cafés azuis
Passo dias a voar
Com as gaivotas
Sei desenhar os céus
Todas as cores
O meu riso ouve-se
Do outro lado do rio
Os meus gestos alimentam
As estações dos corpos
As minhas mãos
São livres como os campos
E tu não percebes o que digo
As palavras das folhas
A giravolta do pato e do cisne
A vastidão deste poema
À minha Avó Ivone



(Margarida Cêpeda, "Eucaristia")
É uma respiração
Que pára o mundo
Com seus gestos de acção
Que muda as cousas
Perpassa para os outros
A força e a generosidade
Mulher que subiu a vida
Em busca das estrelas
Com a fé ao seu redor
Nunca desalentou
O brilho só seu
Nunca se apagou

À minha Avó Ivone

(Francesco Clemente, "Air")
Oriana, sinto que o meu coração é apenas umas gotas de sangue, secando como o Outono seca as folhas. A pele parece esfacelar-se e quero fugir para além do mundo. Oriana, há lanças que me ferem de sítios que desconheço e não há qualquer refúgio à vista. Oriana, falas-me num ideal maior que vive dentro de mim mas já em tudo desacredito, não sei ter asas, não sei sonhar as maravilhas de que me falas quando à minha frente só há um deserto de bolor.

Sofia

Sofia, o teu coração é grande como um bando de pássaros a voar, uma primavera que deslumbra toda a natureza com a sua chegada. O mundo abraça-se contigo porque tens sempre algo para lhe mostrar. O que te fere agora verás que a vida com as suas mãos ternas acabará por curar. É breve o inverno que temes e as flores que segurámos nas mãos caminham já na nossa direcção. Sofia, o ideal vive sempre em ti porque tu própria és esse ideal, navegas nas maravilhas que constróis e há tua frente há sempre um horizonte cheio das tuas fantasias.

Oriana

(Fernando Vignoli, "Breach of Light")
Sara porque é que esse amor com que sonhámos partiu sempre e nem ao nosso lado passou. O dia anoitece sem pré Sara e a cama está fria uma vez mais, como o resto do corpo. Tudo parece ter gelado. Tudo são bocados arrancados no meu olhar sem saída. Sara, se me pudesses dar acesso a outros céus, acalmar as minhas feridas e seres as janelas que deixei de vislumbrar. Sara, eu tento seguir o rumo do teu olhar com o meu já demasiado cansado para olhar.

Sofia

Sofia, o sonho nunca parte, ele é uma ave à tua espera, um voo que canta a vida. O amor é um murmúrio que se sente na pele com estas palavras que te escrevo, que sempre te escreverei. O dia anoitece para crescer radioso, e no frio há um caminho cheio do moinho dos astros que são o fogo da noite. Tu vês tudo com o olhar que desenhas nas pessoas e nas paisagens, és essa caligrafia que se entrelaça e corre nua porque a tua liberdade deixa as feridas no passado. Tu consegues abrir todas as janelas, ou serão elas que se abrem à tua passagem? Sofia, o meu rumo é o nosso rumo e olhámos juntas o mundo inteiro.

Sara
A mim

(Dominic Vatosu, "Female)

neste sentimento de poeta
canta-se as sílabas
de um olhar desabitado
que se cristalizou
lamacento inverno
que enterra as palavras
ressequindo as árvores
neste sentimento de poeta
não há nobreza na canção
só um lamento inútil
que naufraga nas suas mãos
não nascem raízes
não estão iluminados os caminhos
mas o poeta faz sempre
nascer uma nova canção
de um terreno despovoado
faz dos seus versos terra em ebulição
A minha morada
É em lugar nenhum
Sem coração parto
Todas as manhãs
Dádivas nunca dadas
Racham-me o corpo
Todos os gestos
Não há morada
Em nenhum
Dos meus caminhos
Só pedras silenciosas
Fugas destas horas
De angústia

(Ashlee Comerford, "Metropolitan Evening")
Bianca, o que queima aqui dentro senão essa dor pesada de uma ausência de palavras. Mas Bianca tu és um furacão que passa aceso e ensurdece quem o sente. Bianca a tua vida não tem freio e estremeces corpo inteiro, falas os quatro ventos e regressas em ardor.

Eu seguro-te a tua mão quando o abismo estiver à tua frente. Abraço-te quando a tua raiva treme e quer invadir tudo de chamas. Serei quem te protege em todos os momentos pois é aquela que sabe respirar o corpo das flores, as madeiras novas. Faremos viagens que o próprio coração tocará, passos dançando rios de sementes.

O teu Amor, Bruno

(Vincent Van Gogh, "Sufferring")
Lisa, danças nas praças com um lenço redondo à tua volta, ris-te sozinha e enches-te de céu. Sabes que o amor é uma ilusão, uma canção armadilhada que se acaba num repente. Lisa, brincas com a luz da manhã enferruja os pensamentos de amor, essas portas que queimam as mãos.
Beatriz, corpos suicidas empilhados num mundo respirando o seu abandono. Diz-me Beatriz como é que o rio do amor se distanciou tanto? Diz-me como morreu o ser vazio de si, estrangeiro e seco? Beatriz, corpos de suicidas em todos os lugares com o escuro nas mãos desfeitas.
Beatriz, o sangue espalha-se pelo chão, jorra pelos caminhos, traz veloz o som da dor, das sombras para quem é longa essa melancolia absorvida interiormente. Beatriz sabes que não lhes podes segurar as mãos, que as águas sujas desesperam quem sozinho se encontra e se afoga nelas na noite mais profunda. Porque Beatriz o abismo está a um passo no imóvel silêncio.

(Richard Gray, "Pain")
talvez a morte
seja a melhor sorte
caí há muito
e não me sei levantar
os meus dias são o sofrimento
as grades fechadas das paisagens
memórias perturbadas
de tempos há muito idos
a morte chama-me
por entre as pétalas secas
das flores onde vivo
em quantos estilhaços
já me parti nos tiros
que me alcançaram?
galos que me mordiam a cabeça
cavalos aos coices sem cessar
mordidelas de cobras de dentes assanhados
já nem me lembro de todos os ataques
apenas sei que me estilhacei
e já não me encontrou
nos pedaços sem retorno
tento tactear quem fui na terra
onde me descobri mas apenas
sou as sobras, o que restou
uma viúva de mim

(Dominic Vartosu, "Sink")
quando os vegetais deixam
deixam de crescer nos campos
a fome cresce nas mesas
quando a servidão
por um bocado de pão
nos faz rastejar
as meninas ficam presas
e acordam vazias
de corpo exausto
a resina seca
tal como os afectos
a cor dos versos
ninguém os quer aprender
são inúteis para
os estômagos vazios
que doem de tanto doer
a mulher em queda
vai caindo no fundo do mundo
sentindo como a liberdade acorda morta
ela herda a morte
dos pássaros que já não voam
as sementes arrefecidas
das quais nada germina
o frio dessa mulher
é o que morde
as lágrimas impotentes
no caminho da mulher em queda
não há retorno
porque o poço enterra vivo
quem o naufraga

(George Areshidze, "Autumn in the sky")
se morreres não morras
fica perto de mim
vamos juntos às estrelas
com as palavras nas mãos
e os olhos na dança da viagem
se morreres crescemos
como crescem as raízes
o coração baterá
no céu aberto e desnudado
fica junto de mim
passeando os dias
com os passos abrindo as ruas
se o amor é um desenho
de campos abertos
eles morrem nas mãos
não sonho contigo nenhum sonho
porque sonhar
é apenas soprar no vento
e o vento não é uma canção
o amor pode ser uma sede
mas as suas águas são impuras
abrindo os olhos
os campos são apenas imagens
que o olhar captura
Sou a raiva que dentro de mim destrói-se e no ventre brutal esconde a traição de si. Aquela que se abandonou e agora fala na queda do chão que o seu corpo desbravou. Sou a enxada afiada que marca o corpo de miséria. Pele ressequida que não tem coração, o mundo é apenas um lugar longínquo que olho sem atenção. Uma raiva que avança para o ódio, cercado o meu ser, um rosto escuro que cresce na podridão que ao longo das veias vai criando o ser.

Bianca

(Rusudan Khizanishvili, "Sadness")
matei o meu nome
que era milagre de fogo
deixei de saber tudo
o que sabia
pois num instante se apagou
nem fogueiras recordava
fazer com as minhas
antigas mãos d’ouro
matei o meu nome
para ficar esquecido
entre os rochedos escondidos
onde as derrotas se acumulam
como em mim se abrigam
cinco espadas
de esquecimento
à beira de um princípio
o abandono da claridade
conta as histórias de outrora
engolidas e desaparecidas
cinco espadas
marcam de dor
gritando pela casa
que deixei de encontrar


(Shohreh Mehran, "The Sacrifice")
Uma cama estranha, uma noite sempre escondida no horizonte, este mundo que seca as palavras e a poesia cai no silêncio profundo. Ó cidade onde não me encontro, onde vão meus passos? O cinzento do rio, o céu num banco vazio. Apenas vem até mim o som do vento esquecido que por aqui passa.
A maior ferida que tenho
Fui eu que a abri
Mas não estiveste ao meu lado
No caminho que não percorremos
Porque o teu medo falou mais forte
A maior ferida que tenho
Foram as minhas lágrimas
Molhando tudo à volta
Porque não estavas comigo
E não tinha o teu olhar de volta
Sabes quem sou
Tu que te dizes
Meu irmão?
No meu caminho
Não me cruzo contigo
Do que sinto
Não me perguntas
Tento explicar-te irmão
As minhas quedas
Onde são os espinhos
Mas tu irmão
Só me falas com a voz
Da incompreensão

terça-feira, 9 de setembro de 2008


(Marcus Krackowizer)
O amor é apenas um ideal
Porque a pele não é terna
E os sentidos não seguram as mãos
Do amor crescem montanhas
Mas a queda fere todo o ser
O ideal vai morrendo
Ao som da dor e dessa solidão
Que faz os habitantes do peito
Absorverem toda a tristeza do mundo
Eu destruo a beleza
Porque a minha ferida
Contém todas a feridas
Alimentando-se da terra morta
Onde jaz o sangue seco
Que corria nas minhas veias

(Chris Walker, "The Road to Pain")
a maior ferida que tenho
caminha desesperadamente
a par e passo
sempre no meu caminho
fazendo morrer as estrelas
enferrujando a beleza das coisas
a maior ferida que tenho
fui eu que a abri
Quero rasgar a minha pele
Para que ela sangre o meu massacre
Quero amaldiçoar o teu sorriso
Desejando que a tua respiração falte
Quando as cores são salientes
Quero matá-las e esmagar as sementes
Quero fazer uma fogueira
Com o mundo inteiro a arder
Quero passar nas ruas
Ver rios de sangue a escorrer
Quero que o sol parta
Contemplar as árvores a desaparecerer
Quero que os corações parem de bater
E não haja caminhos para percorrer

(Chawky Frenn "Alone")
Curvando-se o pensamento
No findar da música
Que contra o silêncio se debatia
Tudo são rochas
Que imóveis assinam
Os nomes que deixámos de ser
No sonho roubado
Quando as janelas bruscamente
Se fecharam no final de uma tarde
Há uma canção que traz a morte nos olhos
Despe-nos a pele e esfria o mundo
No espelho as pessoas estão demasiado frágeis
Para se levantarem e seguirem os seus caminhos

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

a ferradura que pisa as aves
são palavras de ninguém
numa tempestade agreste
como acordar as flores impossíveis
neste rosnar de cães
nos esqueletos dos dias?
os restos de danças e acordes
não conseguem alimentar a terra
e a luz que agora é cinza
desce sobre as cidades
as mãos perdem a vida
as bocas respiram por cavernas escuras
e labirintos sem sentido

("Alone")
Quando ela de coração
A fugir-lhe das mãos
Se deita na cama
E foi mundo cruel
O sonho tem de se matar
Para ela se levantar
Como se mata o sonho?
Quando ele é o tesouro aceso
Que alimenta os nossos passos
O coração é um grito num
Pequeno corpo de lágrimas
Incendiou-se e agora não consegue
Apagar as chamas
Desafiou o sol ardente
Espelhou o céu em si
Deitada na cama
Nada agasalha o seu sofrimento
O que seca neste fruto é um canto que era uma romã. Nesta face de escombros fecho as pálpebras e uma descida arrasta-me. Movem-se talvez nascimentos, pessoas e o sol mas neste lugar pouco floresce porque as pupilas aqui estão demasiado feridas e há um coração que anda rasteiro. Pedi abrigo, tudo o que ouvi foi o vento sem som, agora só quero rasgá-lo. O mundo era infinito mas descobri que cabe num pequeno desenho que não se segura num gesto e as palavras não enchem de cor a solidão das pessoas. Pessoas partidas ao meio, com o olhar quebrado para sempre, ausentes da vida. Desejava o que não tenho, o meu olhar surpreende-se nessa ausência, nessa fome dos sonhos que ficaram para trás. Os gestos deslumbrantes caíram por terra e a romã apodreceu.

Mara

(Daniel Richter)

e se o amor fosse uma noite
que se prolonga até ao dia seguinte
de gestos e palavras partilhados
numa linguagem comum
entre as folhas que crescem nos dedos
e as frutas no olhar
uma dádiva de asas
que se alimentam de flores
enquanto seguimos as rotas do sol
percorrendo os sons dos pássaros
nos corpos que se enlaçam
e caminham no interior um do outro
Se o meu sentimento
Sou eu a sonhar
Devo dizê-lo em voz alta
Alcançando a dança do vento
O teu mundo de nuvens
Que avançou com o meu
Se o meu sentimento
É a fonte por onde bebo
Não sei como pará-la
Gesto esculpido da minha pele
Em sobressalto contínuo
Ele é o meu próprio sangue

sábado, 6 de setembro de 2008

Doze cordas que não amarram
Este barco sem salvação
Porque alguém me falou no amor
E ele não é mais do que
Um instrumento louco
A fugir-me das mãos
Tenho frio e a minha voz está gasta
De cantar sempre a mesma canção
Um vazio no fundo da cidade
Que me percorre interiormente
A respiração curvada perante
O jogo dilacerante
Que me perfura o coração
Eu ainda não escrevi
Tudo o que ela me disse
Limitei-me a deixar
Escorrer a lágrimas
Todas as manhãs e noites
A passagem das coisas é espessa
E os pensamentos cruéis
Não consigo engolir montanhas
E os pregos não se libertam
Quando a sua sombra
Me reduziu em pedaços
Não escrevi como decorridos os anos
O seu nome no vento
É uma ferida aberta
Que me atravessa imparável


(Francis Bacon)
A profundidade de uma estrela
No teu interior
Onde o meu turbilhão
Respira trepando unindo-se
À espessura do que somos
Guelras que se entrecruzam
Num mergulho lançado
De olhos espelhados
No rio um do outro
Enquanto cresce o campo
Do horizonte luminoso
O rosto que veste
A terra inventada
Ao nascer de um sol
Que guia o caminho
De um novo mundo
Acompanha-me
Demorando-se ao teu lado
Em ti presente
O abraço que a forma humana
De uma fogueira traz


(Urbano, "Models - The Hot Kiss")

domingo, 31 de agosto de 2008

Descalça ia Sara
Ia à fonte mais próxima
Pela imensidão dos campos
Os seus pés conheciam os caminhos
Colados de sacrifícios
Com as gentes coladas à pele
Ela queria restituir o sangue às feridas
A dignidade das bocas
Que se calaram ao medo
Descalça ia Sara
Ia à fonte sozinha
Lavar aquele silêncio das tormentas
Que encobre os pássaros
Que rouba a vida
Às mulheres e aos homens

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

O fogo que dorme neste tempo
Não saberá a paisagem humana ateá-lo
E ser nele o seu espírito?
Um rio que se faz escutar
No espanto do vento
Que lê as cartas deitadas sobre si
De amores em desespero
Os contornos dos rostos marcados
Como um mapa no canto das aves
Esses rostos que procuram escapar
Ao silêncio da dor e da fadiga
O fundo azul da tarde
Derrama um sentimento de calma
O raio de um verso antigo exclama:
“Saúdo-te amigo no teu caminho
Dirijo-te a minha voz para que prossigas
Mesmo que o teu olhar não veja a passagem”


(Pablo Picasso, "The World Without Weapons")

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O amor é azul
Solto à dor
Desmanchando os sonhos
Dia após noite
Corroendo todo o corpo
Queimando as feridas que fez ontem
É um jogo que cobra caro
Somos as suas presas
Caindo nos pés de gigantes
O amor é azul como as lágrimas
Dos vidros partidos do ser
Sonetos sozinhos a vaguearem
Nas entranhas do fim do mundo
O amor é azul
Inútil, uma casa de escuridão
De onde só se quer fugir

sábado, 23 de agosto de 2008

Neste momento o futuro voa espreitando todos os recantos do mundo, elevando-se em cavalos espumando as patas pela boca, a velocidade é veloz ao encontro do despontar de todos os horizontes e entra no rebordo das nuvens, nos reflexos do sol ardendendo nos lagos esquecidos. Talvez não saibas mas os corpos abrem as pálpebras e voltam-se de frente, dos braços subem as raízes e ouvimo-los murmurar numa voz impercepível soltando o mar alto. Neste momento o futuro sopra com força os campos dentro de nós, nós os cavalos que respiramos tudo o que está à nossa volta.

(Jaime)


PAREM COM AS VIOLAÇÕES DIÁRIAS NO DARFUR!!!
Nas cores as águas agitavam-se
Como se falassem todas as línguas
Levantavam os braços
Para sentir a liberdade

Nasciam para crescer
Sonhar e serem ilimitadas
Porque os sentidos
Estão na entrega

Claro que te assustas
Dando voltas em ti mesmo
Adias os teus desejos
E cegas o caminho da alma

A felicidade é apenas estenderes
As mãos para as cores
Para dentro da tua vida
E soltares as águas
Os campos férteis desafiam os dias
E o ar corre livre pelas colinas
A vida apressada na beleza de
Um céu que agarra os olhos

A esperança é um rio que corre
Como a graça do sol apanha
O reflexo das águas
Envolta em cores de chamas

Nas mãos só sinto o deslumbramento
Do mundo por aventurar
Das danças que enchem os meus
Pés de vida nunca vivida
A força da poesia prolonga-se
Sente-se no sangue
A vibrar, estas palavras que te lanço

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Não há senão a Poesia

Não há senão a Poesia
Vida que arrepia
Um olhar sonhado de estrelas
O começo das fontes
A criação das cousas
A agitação anunciada
De um baile de folhas revoltas
Em torno da exaltação
Do interior das canções das colheitas
Não há senão a Poesia
Vida que transpira
A resina, o mel, a febre
Da natureza que se abre
Ao longo do encontro das paisagens

domingo, 17 de agosto de 2008





Adriano Celentano: "Azzurro"

Cerco l'estate tutto l'anno
e all'improvviso eccola qua.
Lei è partita per le spiaggee
sono solo quassù in città,
sento fischiare sopra i tetti
un aeroplano che se ne va.

Azzurro,
il pomeriggio è troppo azzurro
e lungo per me.
Mi accorgodi non avere più risorse,
senza di te,
e alloraio quasi quasi prendo il treno
e vengo, vengo da te,
ma il treno dei desiderinei
miei pensieri all'incontrario va.

Sembra quand'ero all'oratorio,
con tanto sole, tanti anni fa.
Quelle domeniche da soloin un cortile,
a passeggiar...
ora mi annoio più di allora,
neanche un prete per chiacchierar...

Azzurro,
il pomeriggio è troppo azzurro
e lungo per me.
Mi accorgodi non avere più risorse,
senza di te,
e alloraio quasi quasi prendo il treno
e vengo, vengo da te,
ma il treno dei desideri
nei miei pensieri all'incontrario va.

Cerco un pò d'Africa in giardino,
tra l'oleandro e il baobab,
come facevo da bambino,
ma qui c'è gente, non si può più,
stanno innaffiando le tue rose,
non c'è il leone, chissà dov'è...

Azzurro,
il pomeriggio è troppo azzurro
e lungo per me.
Mi accorgodi non avere più risorse,
senza di te,
e alloraio quasi quasi prendo il treno
e vengo, vengo da te,
ma il treno dei desiderinei
miei pensieri all'incontrario va.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008


(Gian Lorenzo Bernini "O Êxtase de Santa Teresa de Ávila")
A Visão descrita por Santa Teresa de Ávila:
I saw an angel close by me, on my left side in bodily form. This I am not accustomed to see unless very rarely. Though I have visions of angels frequently, yet I see them only by an intellectual vision, such as I have spoken of before. It was our Lord's will that in this vision I should see the angel in this wise. He was not large, but small of stature, and most beautiful - his face burning, as if he were one of the highest angels, who seem to be all of fire: they must be those whom we call Cherubim. I saw in his hand a long spear of gold, and at the iron's point there seemed to be a little fire. He appeared to me to be thrusting it at times into my heart and to pierce my very entrails; when he drew it out, he seemed to draw them out also and to leave me all on fire with a great love of God. The pain was so great that it made me moan; and yet so surpassing was the sweetness of this excessive pain that I could not wish to be rid of it. The soul is satisfied now with nothing less than God. The pain is not bodily, but spiritual; though the body has its share in it, even a large one. It is a caressing of love so sweet which now takes place between the soul and God, that I pray God of his goodness to make him experience it who may think that I am lying.