Era uma vez uma vida que perguntava sempre cada vez mais e ponha-se a ser pássaro no parapeito das janelas, com a mão na varanda de cima. Ainda bem que há varandas, umas por cima das outras, ainda bem que o parapeito colaborou. Mais tarde foram os telhados. E houve uma torre lá em Paris que lhe deu vertigens, mas via-se a paisagem toda. E como ela era bela, naquele olhar de surpresa! Há olhares assim, querem ser surpreendidos pela beleza, aquela beleza contida no cerne de todas as coisas. No Verão comia croissants ao pequeno almoço num quarto branco como os leões raros das savanas. Os croissants apanhavam boleia para irem à praia, enquanto eu me estendia com óleo de côco ao sol. Os ditos côcos agradeciam porque assim cresciam mais depressa. Mas quem é que estava com pressa no meio das águas doces das piscinas? Às vezes cheiravam a lixívia, por isso fiquei tão branquinha e o óleo de côco nunca fez grande efeito. Desmanchava o corpo descendo as dunas gigantes, numa ria onde uma vez fiz amor. Acho que um pescador viu, mas ele também era como eu, à noitinha fazia amor com a mulher nas águas pseudo-paradas da ria. Uma vez a vida atravessou-a com a sua irmãzinha mais nova e éramos embarcações resistentes. Quem semeia água vê crescer o mundo, para dentro dos olhos, para fora das mãos...
Havia e ouvi dizer que ainda há, por vezes vejo o seu voo rente ao meu olhar, juro que há. O mel nasce assim, do voo da passarada e desliza sobre o teu corpo. O campo das aranhas apanhando o fresco do poço, alguém tinha de ir até lá baralhá-las. Mil aranhas de tamanho gigante barravam o caminho, fechei os olhos, dei-te as minhas mãos e os cães começaram a ladrar de novo. Para onde vão esses cães, da semi-liberdade? Fraternos eles são e todos juntos criam uma sinfonia. Nesse campo da minha infância, tomei mais tarde um banho de imersão, em pleno inverno, no meio daqueles riachos de verde. Percorrei montes, vales, as montanhas mais altas, porque o sonho se chama Liberdade e acasala com o Amor. Em todas as palavras e gestos mostro-te aquilo que sou: Não há Liberdade Maior do que a Liberdade do Amor... Existem os domingos esses dias que apenas servem para o aborrecimento e largar papagaios de papel no céu perfumado com o teu cheiro a pele. Pele apegada à minha, eu dormindo sobre ti... Dias foram a vida a questionar, esse seu olhar que tenta abarcar Tudo e num só olhar conheci o teu. Trouxe-te o teu farnel, ainda tomei banhos de água morna, pensando que eras toda essa água. Tive uma rádio que ainda toca em voz alta e traz pensamentos e músicas meus. Entrevistas vazias, sempre com as perguntas na ponta da língua. Se ela se silencia é porque está nas conversas dos pequenos deuses. As casacas de laranja aclararam mais tarde para serem limões. Os limões são o sonho de todos os sonhos. Eles brilham nos nossos olhos e o seu sumo pinta-nos um amarelo radiante. Eu vi mares, esses rios grandes de sal feitos e nadei em todos eles como se nada numa canção. Sem portas ou muros para derrubar, apenas e só janelas para entrar e sair. Sem ar respira-se porque há vezes em que se respirou demais. O ritmo continua a canção, essa que soube fazer, conforme a ocasião. Em verdade digo que as aranhas dançastes no meu verão são uma imagem que tenho nítida daqueles verões. Os verões do mar que abraçava a minha pele macia com a sua areia de comichões. Eu era a gaivota navegando os mares daqui e de além. Eu perdi o fogo no mar e ele acendeu-se em chamas para mim. Os gelados de fina areia desfazendo na boca gulosa, com mil sabores, a geada a fazer as combinações.
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