Dia
de máquina
À minha espera desassossega-se uma máquina de
lavar loiça que se julga de potencial ganhador de medalhas que nunca chega a
ganhar, no fim diz sempre entristecida: “estava quase a chegar ao ouro”, no
entanto nem do bronze se aproximou. Tem no seu interior uma grande dilatação
que se deve à sua destemida obrigação caseira de lavagens, tem também dentro de
si uma enchente de pratos de gente grande e algumas bugigangas que se partem
quando caem da falésia que termina numa cozinha demasiado antiga, olha-se para
ela e apenas de vê um chão borrado de pedaços bem sulcados, são muitas marcas
que soletram bem alto o uso da permanente sucção causada por sapatos imundos. A
loiça não gosta de esperar por mim e tem um desejo irritado de voltar a estar
nos armários amplos onde habita, quer voltar ao território onde está a sua arrumação,
uma arrumação cuidada que amansa a sua pele delicada. Vou, então, sem vontade e
com poucas forças pôr tudo no seu lugar, sei que os meus músculos braçais se
vão queixar pois têm pouca rede interna de células ativas, sei que a loiça está
cada vez mais irritada à minha espera, sonha com uma refeição-rainha aquando do
menu do jantar. Vou ser corajosa, vou levantar-me com todo o meu dinamismo de
marés vivaças necessário ao cumprimento desta tarefa de grande laboração. Se
partir um copo é o normal, se partir um prato é uma grande falta de educação
pela vida caseira de toda a gente que habita neste lar. Tenho um sonho: voltar
a lavar a loiça à mão, quando era pequena fiz este exercício muitas vezes com
um detergente fajuto que me deixava as mãos quase sem pele, recordo a
experiência com carinho.
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